Terror faz bom uso da tábua Ouija

por Marcelo Seabra

Depois de um primeiro filme bem ruim sobre o jogo de tabuleiro, é compreensível que muitos não dariam confiança a este Ouija: Origem do Mal (Ouija: Origin of Evil, 2016). Como o diretor se mostrou um artista interessante, ao menos algo no projeto soava atraente. E o resultado surpreende exatamente por isso: Mike Flanagan consegue fugir do usual e entrega um bom filme. Fora uns escorregões, é tudo muito calculado e comedido, e os sustos acontecem da forma correta, sem gatos pulando ou trilha alta.

Caso raro, esta é uma pré-sequência que não só dispensa o anterior como funciona melhor se você não tiver assistido a ele. Em Ouija: O Jogo dos Espíritos (Ouija, 2014), um grupo de amigos investiga a morte de uma garota e eles descobrem que tem algo a ver com o tabuleiro Ouija, que virou um famoso jogo da Hasbro. Faz sentido o enfoque no jogo porque a própria empresa que o produz ajudou a bancar a produção. Apesar do resultado duvidoso, o longa faturou 20 vezes o seu orçamento de cinco milhões e uma continuação era certa. A boa jogada dos produtores foi convocar um diretor mais competente que pudesse trazer um toque particular.

O fraco O Sono da Morte (Before I Wake, 2016) pode ter deixado um pé atrás com relação a Flanagan. Mas o diretor e editor, novamente assinando um roteiro com o parceiro usual Jeff Howard, tem mais sucesso dessa vez. Lembrando as franquias de James Wan (Invocação do Mal e Sobrenatural), o filme explora bem os cantos e segredos de um casarão para contar a história de uma mãe e suas filhas. Pouco após um acidente de carro que levou o marido, Alice Zander (Elizabeth Reaser, de Crepúsculo) sobrevive atendendo como vidente, convencendo os clientes de que tudo é verdade com a ajuda das filhas. A adolescente Lina (Annalise Basso, de O Espelho, 2013, também de Flanagan) ficou um pouco rebelde após a morte do pai, enquanto a mais novinha, Doris (Lulu Wilson, de Livrai-nos do Mal, 2014), parece não ter entendido direito a perda devido à pouca idade.

Como já vimos em outras produções, não se brinca com espíritos impunemente. Logo, a família vai descobrir o preço a se pagar. E o diretor da escola das meninas, o Padre Tom (Henry Thomas, de Big Sur, 2013), acaba entrando no meio estranhando a mudança de comportamento da pequena. O trabalho de Thomas é competente, ele foi até escalado para o próximo projeto do diretor, Jogo Perigoso (Gerald’s Game). O mesmo vale para Reaser, uma mãe inteligente que busca o melhor para as filhas. Mas são as duas mais novas que chamam a atenção. Ambas têm grande facilidade para pular entre emoções. Wilson consegue nos fazer ver o capeta em sua carinha angelical e tem um monólogo sobre enforcamento que é no mínimo angustiante.

Dentre muitos filmes baseados em jogos de tabuleiro, este Ouija: Origem do Mal parece ser o mais bem sucedido. E, ao contrário do episódio anterior, ele não foca exatamente no tabuleiro, mas o utiliza para fazer a história andar. É por causa dele que tudo acontece, sua relevância para a trama é incontestável. Mas são os personagens que importam, e o roteiro toma tempo para desenvolvê-los, tornando possível ao espectador torcer por eles. Dependendo da arrecadação nas bilheterias, continuaremos torcendo por mais algum tempo.

A tradicional tábua, ou jogo do copo, é um jogo popular

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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