Universo Marvel invade o Harlem de Luke Cage

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Criado por Archie Goodwin, John Romita Sr. e George Tuska para aproveitar a popularidade dos filmes voltados para a população urbana negra (os chamados blaxploitation) em 1972, por quase três décadas Luke Cage foi um personagem do quarto escalão da Marvel. Até que, no começo do século, passou a ter um destaque maior graças ao trabalho do roteirista Brian Michael Bendis, primeiro como coadjuvante de Alias (gibi solo de outra personagem que virou série na Netflix, Jessica Jones), e depois como integrante dos Vingadores. Desde então, Luke Cage não saiu mais dos holofotes. Depois de participar como um coadjuvante em Jessica Jones, eis que Luke estreia em sua própria série, cuja primeira temporada, a exemplo de todas as produções do Netflix, foi liberada toda de uma vez na última sexta-feira.

A exemplo do que acontece com os filmes da Marvel no cinema, Luke Cage segue uma cronologia própria, mas que deixa clara sua interdependência do que veio antes, tornando esse universo mais coeso. A série se passa pouco depois de Jessica Jones e da segunda temporada de Demolidor e mostra o que aconteceu com Luke após os eventos ocorridos em Hell’s Kitchen. Tentando fugir de tudo aquilo, Luke acaba indo parar no Harlem, bairro negro de Nova York, onde consegue emprego em uma barbearia e tenta passar despercebido. Seu plano, infelizmente, não demora muito a naufragar.

Quando a série começa, Luke (Mike Coulter, de The Following) se divide em dois empregos. Além da barbearia comandada por Pops (Frankie Faison, de Banshee), Luke também lava pratos na boate de Cornell “Boca de Algodão” Stokes (Mahersala Ali, de Jogos Vorazes: A Esperança, 2015 – acima), um gângster local que utiliza parte do seu dinheiro sujo para financiar a campanha de reeleição da prima Mariah (Alfre Woodard, de Capitão América: Guerra Civil, 2016) à câmara de vereadores de Nova York. Uma das formas de Boca de Algodão ganhar dinheiro envolve o tráfico de armas e é justamente quando uma dessas negociações dá errado e um dos protegidos de Pops é assassinado que Luke acaba sendo arrastado, totalmente a contragosto, para o submundo de corrupção e violência do Harlem. Aos poucos, a população local toma consciência de quem ele é e do que pode fazer e Cage pode dizer adeus à sua vida no anonimato.

Como era de se esperar, Luke Cage bebe bastante da fonte dos filmes de blaxploitation dos anos 1970 e tenta retratar o Harlem da forma que ele deve parecer para todos aqueles que não conhecem a região. A série mergulha na cultura negra especialmente no que diz respeito à trilha sonora, mas não se restringe a isso. Ao longo da temporada, vemos bastante do passado de Luke (destaque especial para o quarto episódio da série, que deixará os fãs de longa data bastante satisfeitos) e de como ele passa da posição de neutralidade para uma atuação ativa contra o que acontece de ruim em sua comunidade e as consequências que isso traz para ele e aqueles ao seu redor. Ou seja, nada muito diferente do que estamos acostumados a ver em filmes ou séries de heróis onde é necessário que uma história de origem seja estabelecida.

Outro ponto a se destacar é a preocupação de produtores de apresentar mais personagens que terão importância no futuro da Marvel na Netflix. A policial Misty Knight (Simone Missick, de séries como Ray Donovan e Scandals), uma das responsáveis por investigar o tiroteio que acontece logo no começo da série, sempre foi uma personagem coadjuvante de relativa importância no universo de Luke Cage e já está confirmada tanto para a série do Punho de Ferro quanto para os Defensores, que reunirá Cage e Punho a Demolidor, Jessica Jones e possivelmente ao Justiceiro. Outra que dá as caras em Luke Cage e faz a ponte entre essa e as séries que a precederam é Rosario Dawson, reprisando o papel da enfermeira Claire Temple. Para aqueles que não se lembram, Claire foi uma personagem recorrente tanto nas duas temporadas do Demolidor quanto em Jessica Jones, o que meio que faz com que ela seja o elo principal entre as séries da Marvel na Netflix até o momento. Os roteiristas e produtores resolveram, inclusive, mostrar um pouco da origem de Claire aqui, introduzindo a personagem Soledad Temple, mãe de Claire, vivida pela atriz brasileira Sônia Braga (de Aquarius, 2016). É a personagem de Claire que situa Luke Cage em termos de cronologia, já que menciona fatos ocorridos tanto em Jessica Jones quanto na segunda temporada de Demolidor.

Ainda que totalmente diferente de Jessica Jones e mesmo de Demolidor, Luke Cage cumpre bem o papel de expandir o Universo Marvel no Netflix. Para os fãs do personagem, a série é um prato cheio; para aqueles que nunca haviam ouvido falar dele, é uma boa diversão e cria expectativas para o próximo ato – no caso, a série solo do Punho de Ferro, personagem cuja bibliografia está intrinsecamente ligada à de Luke Cage, já que ambos dividiram o mesmo gibi por bastante tempo na Marvel. É aguardar até 2017 para ver como isso tudo se desenrolará.

O visual clássico e o atual de Cage nos quadrinhos

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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