Bruxa de Blair, O Exorcista e o problema do terror atual

por Marcelo Seabra

Duas produções recentes dão uma indicação clara de um caminho que parece ser uma constante. Nos cinemas, temos Bruxa de Blair (Blair Witch, 2016), uma sequência que é praticamente uma refilmagem de A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999), estrondoso sucesso que tinha como principal trunfo a sugestão, ao invés de escancarar tudo. Na TV, estreando na programação do canal FX, chega O Exorcista (The Exorcist, 2016), releitura do livro de William Peter Blatty que já deu origem a um clássico do terror.

Em 1999, tivemos a estreia de A Bruxa de Blair, longa que gastou pouco e faturou muito, iniciando uma moda de “filmagens encontradas”, aqueles filmes que fingem ser filmados pelos próprios personagens antes de algo drástico acontecer – ou durante. Não foi o primeiro nessa linha, mas os elogios foram tantos, assim como o dinheiro que entrou, que impulsionou diversas outras obras de relevância duvidosa. O mérito do primeiro Bruxa de Blair era criar um clima de tensão, aterrorizando a todos com jovens que entravam em uma floresta para fazerem um documentário que iria desmascarar a suposta lenda da bruxa. Esse novo suspense acompanha o irmão da menina que sumiu, Heather, que ainda tem esperanças dela estar viva (17 anos depois!!!) e vai pra tal floresta com amigos fazer um novo documentário.

O primeiro problema que observamos nesse novo episódio da saga de Blair (é bom lembrar que há uma sequência, O Livro das Sombras, de 2000) é a falta de originalidade. Temos exatamente a mesma história, recontada a partir de uma motivação ligeiramente diferente. Eles saem da cidade, entram na floresta e vemos novamente os mesmos fenômenos. Não há absolutamente nada de novo para conquistar o espectador experiente, por assim dizer, e apenas os mais novos poderão dizer que não conheciam o que estão vendo. O segundo problema é a óbvia falta de sentido na motivação do protagonista: entrar numa floresta tida como assombrada, com uns amigos e câmeras, para procurar a irmã desaparecida há quase duas décadas? Exatamente o que ela fez e deu no que deu? Quando, na época, várias autoridades e voluntários fizeram buscas infrutíferas mata adentro? Detalhe: o sujeito diz que tinha perto de quatro anos de idade quando a irmã desapareceu e ele participou das buscas, assim como o amigo. Quem foi o esperto que permitiu tal sandice? E ele espera chegar na mesma idade que ela tinha para tentar a mesma estupidez.

E chegamos ao terceiro e talvez pior problema de todos: acabou-se a sutileza. Claro, ainda temos raros exemplares, como A Bruxa (The Witch: A New-England Folktale, 2015), que não querem apenas dar sustinhos bestas em seu público, optando por criar toda uma situação que leve o espectador a duvidar do que está acontecendo e da direção que a história vai tomar. Algo que A Bruxa de Blair de 99 fazia bem, assim como O Exorcista (The Exorcist, 1973), de William Friedkin. A proposta, hoje, pende mais para o “mostrar demais”, apelação e exagero que não ajudam em nada a criar qualquer coisa que não cansaço e, por fim, raiva em quem está assistindo e queria ser tirado de sua zona de conforto de maneira inteligente.

A série de O Exorcista segue essa mesma direção. Tanto no livro quanto no filme, acompanhávamos o drama de uma mãe que não sabia bem o que era o mal que acometia a filha. Mudando personagens (não só os nomes), o primeiro episódio já tem o disparate de mostrar uma mãe que ouve vozes na parede da casa e soma isso à aparente depressão da filha, que se envolveu em um acidente grave, e julga essa conta suficiente para afirmar que a filha está possuída. E o pior: um padre jovem, que afirma que demônios são metáforas, logo compra a história da mãe. E a questão dos sonhos é outra forçação de barra totalmente desnecessária. Repetição, trama descabida e apelação: todos os problemas observados no filme em cartaz também aparecem na nova série.

No longa de Friedkin, tínhamos uma mãe preocupada que levava a garota a uma diversidade de médicos. Ela só procura a Igreja após todas as tentativas possíveis e não saber mais aonde ir. O que era bem fiel ao livro de Blatty e fazia perfeito sentido, nos levando junto a acreditar que algo sobrenatural estaria agindo ali. Agora, temos uma filha deprimida e uma mãe esquizofrênica e somos obrigados a comprar a ideia de possessão demoníaca. As duas, claro, precisam de tratamento médico, e a série urge uma guinada radical para se recuperar desse primeiro episódio. A dinâmica dos padres também foi pro espaço: ao invés de um jovem em dúvidas e um veterano experiente em exorcismos, temos um latino bobinho e um quarentão que mais parece um Indiana Jones disposto a enfrentar o Vaticano. O caso de Georgetown é até mencionado na série, para deixar claro que eles não ignoram a fonte, só optam por fazer diferente.

Por sorte, temos ainda realizadores com ideias originais. Mas o volume de obras reaproveitadas, refilmadas (Sete Homens e Um Destino também está em cartaz) e recontadas é gritante. Não parece que temos vários escritores em atividade criando histórias novas. Stephen King, por exemplo, está vendo seu A Coisa ganhar nova adaptação, como se ele não tivesse trocentas obras inéditas no Cinema ou na televisão. Os novos Bruxa de Blair e O Exorcista estão aí para engrossar esse caldo de falta de originalidade e aumentar a preocupação do público.

Geena Davis é a mãe da nova endemoniada

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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