DC se aproxima do suicídio com Esquadrão

por Marcelo Seabra

Para se conseguir reunir um grupo de personagens poderosos, é preciso uma ótima desculpa. E cada um deles deve ter um motivo para estar ali, não destoando muito dos demais. A Marvel entendeu isso com Os Vingadores (The Avengers, 2013). A DC não tem a menor ideia do que faz no Cinema. É o que podemos concluir após uma sessão de Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016), uma bagunça generalizada que nem divertida consegue ser. O irregular David Ayer dirigiu e escreveu, com o famigerado Zack Snyder na produção, e o resultado é ruim o suficiente para deixar o público mal. Humorado.

Nos quadrinhos, o conceito mais recente, criado por John Ostrander em 1987, é interessante: uma agente do governo, Amanda Waller, reúne um grupo de condenados poderosos para missões potencialmente mortais e eles ganham uma diminuição em suas penas. A série serviu para chamar a atenção do público para personagens obscuros da editora e o grupo teve várias formações ao longo dos anos, e várias missões. No filme, acompanhamos desde a apresentação da proposta, com Waller se mostrando preocupada com a segurança nacional quando se tratar de um terrorista com poderes, já que esses seres têm proliferado. Após convencer membros do alto escalão, ela tem permissão para controlar o bando.

A primeira tarefa de Ayer era definir quem iria participar do grupo, já que cada um teria que ter uma função para a história. Não necessariamente seguir algum arco específico. Uma vez definidos, todos teriam que se ocupar de alguma forma, para não ficar como aqueles filmes ruins de luta em que os capangas se enfileiram para apanhar ordenadamente de um único mocinho. E é isso que acontece. Mas não sem antes cada personagem ter o seu “momento”. Chamemos assim a introdução deles, com direito a close, câmera lenta, texto na tela e música descolada variada. O volume de canções famosas, inclusive, é uma referência clara a Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy, 2014), como se fosse parte de uma receita de sucesso certo. Mas nem Bohemian Rapsody salva algo assim.

Quando assistimos a um filme com Will Smith, podemos esperar por algumas cenas exibicionistas, comuns na carreira do astro. Aqui, temos até gotas de chuva descendo em câmera lenta, e o personagem, Pistoleiro, passa a maior parte do tempo sem sua máscara característica. Afinal, qual seria a graça de ter Smith no filme e ele ficar mascarado o tempo todo? Stallone e seu Juiz Dredd que o digam! Margot Robbie volta a fazer dobradinha com Smith (como em Golpe Duplo, 2015), dessa vez em trajes mínimos que a câmera faz questão de enfocar, só vemos o uniforme de palhaço de relance. A presença da Arlequina é um mistério. Uma garota sem poderes, que usa um taco de baseball e um revólver, é considerada meta-humana? Apenas por ser louca? Ela acaba existindo apenas para justificar a presença do Coringa na tela, além de descarregar todas as piadinhas sem graça possíveis, numa outra tentativa falida de aproximar o filme do Universo Marvel.

Fechando o trio principal de nomes, temos a festejada participação de Jared Leto, vencedor do Oscar por Clube de Compras Dallas (2013). O personagem, bastante icônico e marcado pela morte repentina de Heath Ledger, é ninguém menos que o Palhaço do Crime, que acaba roubando bastante tempo dos demais, que deveriam ser os principais. Ao contrário do desequilibrado perigoso de Ledger, o Coringa de Leto é apenas um gângster sem graça que ri sem razão alguma e chega a rosnar, o que tento entender até agora. Um integrante interessante do elenco é Joel Kinnaman (o Robocop de 2014). Seu Rick Flag mantém sua postura, tem motivação para estar ali e o ator faz um bom trabalho. Ao contrário do colega Jai Courtney (do mais recente Exterminador do Futuro), ruim como de costume num papel que não ajuda, um bandido ordinário que usa bumerangues e muda de atitude sem sobreaviso num dos momentos mais inexplicáveis do longa.

O recorde de pior personagem, numa competição árdua, fica com Magia (Cara Delevingne, de Cidades de Papel, 2015 – acima). Descrita por Amanda Waller (Viola Davis, de Dois Lados do Amor, 2014) como extremamente poderosa, a bruxa logo mostra que poderia simplesmente matar todo mundo. O tal coração que a controla só aparece quando é conveniente, sendo esquecido o resto do tempo. As criaturas que ela transforma parecem saídas de um subproduto dos Power Rangers dos anos 90. Todo o seu envolvimento com a trama é furado, mal explicado e mal resolvido. Ficamos na expectativa de algo a mais, um segredo ou detalhe que esclareça as coisas. Mas o que você vê é o que você tem.

Para cada bom filme em seu currículo, como Marcados Para Morrer (End of Watch, 2012), Ayer tem várias bombas, como sua estreia na direção, Tempos de Violência (Harsh Times, 2005). O que seus projetos costumam ter em comum é uma busca do realismo, das ruas à guerra. Em Esquadrão Suicida, as coisas parecem ir por esse caminho, algo como Christopher Nolan fez, mas logo descambam para o fantasioso. E somos obrigados a ver, por exemplo, todos saindo ilesos de tiroteios. O Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje, de Um Homem Entre Gigantes, 2015) é apresentado como um homem deformado tratado como animal, mas em determinado momento descobrimos que ele é capaz de passar bastante tempo debaixo d’água. Os políticos e militares apresentados parecem burocratas que passam os dias em reuniões intermináveis e não resolvem nada.

Como é praxe na concorrência, há uma cena escondida ao final da projeção. Além de repetitiva, ela fere conceitos fortes dos quadrinhos e não faz qualquer sentido. Numa tentativa de afagar os fãs, a DC os faz passar mais raiva, como já vinha acontecendo nas últimas duas horas. Nem uma campanha massiva de marketing de estúdio e distribuidora fez com que Esquadrão Suicida tivesse boa recepção. As análises estrangeiras já começaram a sair com críticas pesadas e o filme chega no mercado internacional cercado por desconfiança e baixa expectativa. Se for seguir nesse caminho, a DC vai estragar a Liga da Justiça e aposentar as chuteiras no Cinema.

Primeiro Coringa nada marcante do Cinema

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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