Stranger Things apela à nostalgia dos trintões

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer (da série Wayward Pines), Stranger Things tem causado um grande frisson na internet, principalmente pelo apelo nostálgico que carrega. A série se passa em uma pequena cidade norte-americana, em 1983, e traz elementos de filmes clássicos daquela década, como Os Goonies, E.T., o Extraterrestre, O Enigma de Outro Mundo, Poltergeist e Conta Comigo, além de uma influência dos trabalhos de Stephen King, só para citar os principais. Isso, por si só, já é um fator atraente para pessoas na faixa dos 30 anos, que cresceram assistindo a esses filmes. Tudo o que faz essas produções atraentes está ali: o governo usando experimentos secretos que uma hora dão errado; adultos ora perdidos, ora duvidando de sua sanidade, ora agindo simplesmente guiados por sua ambição; a cidade pequena que logo mostra-se não ser tão “normal” quanto parecia; e, principalmente, crianças e adolescentes movidos pela amizade em busca do amigo desaparecido.

Não dá para olhar para o quarteto formado por Mike, Dustin, Lucas e Onze e não se lembrar imediatamente de Gordie, Chris, Teddy e Vern (de Conta Comigo), ou de Mike, Gordo, Bocão e Dado (de Os Goonies). E aqui temos o grande mérito dos irmãos Duffer, e que referencia diretamente aos quartetos acima citados, já que os irmãos se preocuparam em criar crianças que se comportam exatamente como o que são: crianças que não tem muita noção do mundo e, sim, são nerds, são os “perdedores” da escola – à exceção de Onze – e não um trio de garotos mais maduros do que sua idade os permitiria ser, como estamos acostumados a ver na TV e no Cinema atuais. Eles brigam por besteira, fazem as pazes, mergulham na aventura à frente de si com aquele espírito indômito que apenas as crianças – ou os sem noção – têm e percebem o extraordinário com aquela empolgação característica de moleques no início da adolescência. É bem provável que diversos adultos de hoje, especialmente aqueles que passavam horas jogando RPG ou lendo gibis em sua infância, se identifiquem com pelo menos um – se não com todos – os garotos ali representados.

Ao voltar para casa após participar de uma longa sessão de Dungeons & Dragons (um dos mais populares jogos de RPG da história), o garoto Will Byers (Noah Schnapp, de Ponte de Espiões, 2015) é surpreendido por uma criatura estranha e desaparece misteriosamente. Seu sumiço só é notado no dia seguinte quando Will não aparece para o café da manhã. Desesperada, sua mãe, Joyce (Winona Ryder, de Cisne Negro, 2010) entra em contato com o xerife local, Jim Hopper (David Harbour, de Banshee), um sujeito que está acostumado a ter uma vida tranquila na interiorana Hawkins, localizada no estado de Indiana, nos EUA, que começa a investigar o caso. Logo, a notícia do desaparecimento de Will se espalha e seus melhores amigos, o trio formado por Mike (Finn Wolfhard, de Sobrenatural), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin), decidem que cabe a eles encontrarem o amigo desaparecido. A aparição da jovem Onze (Millie Bobby Brown) vai, ao mesmo tempo, melhorar e complicar a vida do trio, já que a menina fugiu de uma instalação governamental que faz experimentos envolvendo seres humanos e mundos alternativos e seu “pai”, o Dr. Martin Brenner (Matthew Modine, de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, 2012), não poupará esforços para recuperá-la, ao mesmo tempo em que ela pode ser a chave para que Will seja encontrado. O desaparecimento de Will, no entanto, é apenas o primeiro e logo as coisas se tornam bastante agitadas na pequena Hawkins.

Se o quarteto de protagonistas é o que mais merece destaque em Stranger Things, o time formado por adultos e adolescentes mais velhos também não faz feio. Ryder faz sua Joyce parecer bastante crível no papel de uma mãe que se encontra no pior dos cenários, que é o desaparecimento de seu caçula, enquanto vemos o xerife ser afetado pelo caso mais do que gostaria na medida em que ele remete a fatos de seu passado. Completam o elenco principal a jovem Nancy (Natalia Dyer), irmã de Mike e uma adolescente que passa por uma grande prova de amadurecimento durante os acontecimentos nos quais se envolve, Jonathan (Charlie Heaton), irmão de Will, que precisa tentar manter a cabeça fria enquanto vê a mãe desmoronar, e Steve (Joe Keery), que começa como um jovem folgado que só quer transar com Nancy mas, assim como ela, amadurece de maneira surpreendente na medida em que a investigação sobre o desaparecimento de Will avança.

Stranger Things não é o melhor que o Netflix produziu e não é uma daquelas séries que mudará a história da TV. Ela é, antes de tudo, uma série bem escrita, bem dirigida, com uma história redondinha e que acerta em cheio em seu objetivo de despertar a nostalgia dos mais velhos e, espera-se, chamar a atenção dos mais novos para esse tipo de história. A direção dos irmãos Duffer é bastante competente e a trilha sonora dos estreantes Michael Stein e Kyle Dixon combina bastante com o perfil da série, já que também remete ao que era feito nos filmes daquela época.

Stranger Things é, basicamente, um filme de verão que caberia muito bem nos cinemas de 1986, caso não tivesse oito horas de duração aproximadamente, e hoje estaria sendo reprisado eternamente na Sessão da Tarde. Com oito episódios, está disponível para os assinantes do Netflix desde o dia 15 de julho e tem atraído tanta atenção, que, é claro, já tem uma segunda temporada garantida.

Winona Ryder é um dos destaques

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Olá rodrigo. Obrigado pelo bom texto. Quando assisti a série lembre de alguns amigo de minha infância que na época parecíamos inseparáveis mas daí já fazem mais de 20 anos que não os vejo. Como você colocou, me senti como um integrante desses amigos. Adorei a série e tomara que não demore muito sua continuação.

  • Rodrigo,
    Você é filho do Klebão (meu colega de turma da Fac. Medicina da UFMG)? Estou lhe escrevendo pois sou apaixonado por cinema e leio seus comentários eventualmente. Sua página "O Pipoqueiro" é muito bem escrita. Fiquei surpreso pelo seu grande conhecimento sobre cinema, com uma infinidade de informações. Continue com o projeto e boa sorte. Sobre esta série "Stranger Things", só vi o primeiro episódio, mas não me conquistou como, por exemplo, "Bones", desde o primeiro episódio.

    Abrs

    • Elio, na verdade esse Rodrigo não é o meu irmão. Eu, Marcelo, sou filho do Kleber. Agradeço os elogios e torço para continuar correspondendo, e que você continue acompanhando.
      Um abraço!

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