por Marcelo Seabra
Tinha tudo para ser mais uma comédia romântica dramática à Nicholas Sparks. Mas até que Como Eu Era Antes de Você (Me Before You, 2016) consegue ir além do usual fugindo de alguns estereótipos e fazendo piadas acertadas no limite da acidez. E é bom ressaltar que quem vai ver esse tipo de filme no cinema, tendo um mínimo de informação prévia a respeito, já tem uma ideia do que esperar. E é bem capaz de encontrar exatamente isso.
Baseado no best-seller de Jojo Moyes, que escreveu o roteiro e manteve suas falas melosas, o filme nos apresenta a Louisa Clark, uma garota simples que trabalha há anos em uma lanchonete para ajudar a família, que precisa de cada centavo que entra. Ao ver o estabelecimento fechar, ela é obrigada a buscar um novo ganha pão e acaba na porta dos Traynors, a provável família mais rica da cidadezinha inglesa onde moram. O filho do casal, outrora um empresário poderoso, hoje necessita de cuidados especiais após um acidente deixá-lo tetraplégico. A situação dele inclusive suscitou manifestações de grupos que se posicionam contra a forma como tudo é conduzido.
As conclusões óbvias que poderemos tirar ao ler essa curta trama não precisam ser mencionadas. E é fato que, nos dez a vinte primeiros minutos de projeção, a impressão que temos é de que a experiência será difícil de engolir, mesmo com pipoca e refrigerante. Mas a boa surpresa acontece e os atores parecem se encaixar em seus papéis. Tudo o que eles precisavam era de tempo para se familiarizarem. Dando um tempo no convívio com dragões e exterminadores do futuro, Emilia Clarke começa um tanto abobada, pendendo claramente para o pastelão até achar o tom certo. Sua Lou leva jeito de ser burra, irritante e exageradamente brega em seu modo de vestir, mas acaba mostrando outras habilidades. Ela é aparentemente incapaz de se deixar abater e é a simpatia em pessoa.
Completando a dupla de protagonistas está Sam Claflin, que ganhou certa projeção com a franquia Jogos Vorazes. Mesmo sendo um papel pequeno, ou até por isso, ele fez melhor do que em outros trabalhos em que participou mais, como no pavoroso Simplesmente Acontece (Love, Rosie, 2014). Pela primeira vez, ele consegue se manter bem nos holofotes, vivendo um sujeito que traz uma mistura de raiva e desilusão por ter sido obrigado a deixar o estilo de vida ao qual se apegou tanto. O que ele consegue é se afastar do clichê do brigão mal humorado de sempre. Ele é um almofadinha que aprendeu a ser um pouco menos arrogante e valoriza o esforço genuíno da garota de tentar ajudar a fazê-lo se sentir melhor. Temos aí um quê de Pigmalião, uma troca de erudição e simpatia entre eles.
Como em uma novela de Manoel Carlos, temos dois núcleos bem distintos: os ricaços que levam uma vida miserável e têm seus segredos; e os pobretões que parecem se divertir bem mais, mesmo com as dificuldades financeiras enfrentadas. Charles Dance, também de Game of Thrones, e Janet McTeer (da série Divergente) entregam as melhores performances como os Traynors, e até conseguimos sentir um pouco da dor que eles carregam. E a cineasta que conduz essa receita de água com açúcar, Thea Sharrock (da ótima série Call the Midwife), é mais uma nova voz feminina atrás das câmeras, o que merece ser celebrado.
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