Guerra Civil traz o melhor da Marvel

por Marcelo Seabra

Depois de apresentados nos últimos anos, um por um, os personagens muito amados da Marvel se encontraram nos dois filmes dos Vingadores. Mas é agora, em Capitão América: Guerra Civil (Captain America: Civil War, 2016), que essa reunião realmente traz alguma emoção para o público. Com ação, humor e suspense, os irmãos Russo conseguem a proeza de desenvolver diversos personagens e separá-los em dois lados, e cada postura é perfeitamente compreensível. O caminho para se chegar ao quebra pau visto nos trailers é bem interessante e comprova mais uma vez que os estúdios Marvel sabem exatamente o que fazem.

Depois de dirigirem a segunda aventura do Capitão América, Anthony e Joe Russo se mostraram uma opção tão acertada que voltaram para mais um, e não devem sair tão cedo desse universo. Começando com uma estrutura parecida com a do anterior, em meio a uma missão que vai ter consequências, eles logo expandem o quadro, criando uma situação ainda mais intrincada e jogando mais gente na mistura. O Pantera Negra, rei e guerreiro de um povo recluso, é um dos que aparecem pela primeira vez, e Chadwick Boseman (de James Brown, 2014) não faz feio. Ele tem a nobreza necessária e a equilibra com um ar sombrio, ameaçador. Mas a atenção vai toda, claro, para o amigo da vizinhança, nosso escalador de paredes favorito. Na sua versão mais jovem no Cinema, o Homem-Aranha mostrado também é provavelmente o mais fiel aos quadrinhos, falando compulsivamente e demonstrando claramente suas inseguranças. Tom Holland mostrou o talento que tem para o drama com O Impossível (Lo Imposible, 2012), sua estreia, e agora entra de cabeça num papel bem diferente.

No meio de tantos personagens, o Capitão América justifica estar no título do longa. Toda a trama gira em torno dele e é a sua posição que detona o conflito. A dupla Stephen McFeely e Christopher Markus, que acompanha o herói desde sua primeira história solo, é muito habilidosa ao amarrar todas as pontas e ao justificar tantas presenças de forma tão natural. E a grande dose de humor, a maior até agora, não se deve às piadinhas infames de Tony Stark, mas a observações engraçadas que surgem a todo momento. Paul Rudd, novamente como o Homem-Formiga, é um dos principais responsáveis. E o equilíbrio é muito saudável, mantendo a seriedade da obra sem o peso e a sisudez de um, por exemplo, Batman Vs Superman (2016). E, por mais que se goste dos personagens da D.C., é preciso reconhecer que as editoras estão muito distantes uma da outra no que diz respeito às adaptações.

Steve Rogers (Chris Evans) e Tony Stark (Robert Downey Jr.), de amigos vingadores, se tornam antagonistas quanto ao tema político proposto. Baseado no arco de Mark Millar nos quadrinhos, o roteiro muda muita coisa e simplifica outras tantas, o que não significa extrair valor ou diminuir. Outro que ganha destaque é o Bucky Barnes de Sebastian Stan, que está no centro da trama e aumenta sua carga dramática. William Hurt, depois de tanto tempo, volta a viver o General Ross, de O Incrível Hulk (The Incredible Hulk, 2008), que é quem traz o problema para a mesa. E a novidade no time dos maus responde por Daniel Brühl (de Rush, 2013), uma figura misteriosa que vai ganhar certo destaque. Dentre nossos conhecidos, quem não aparece acaba sendo citado, caso de Thor e Hulk, tudo razoavelmente justificado. É interessante perceber que, mesmo em lados bem distintos, os laços desenvolvidos pelos personagens se mantêm e eles permanecem amigos, o que mostra ser possível respeitar a opinião do outro – mesmo que o confronto acabe se tornando físico.

Com essa acertada alternância de tons e várias referências ao mundo pop, como Star Wars, Guerra Civil consegue durar quase duas horas e meia, ter duas cenas escondidas ao final e não ser cansativo. Todos os embates têm uma razão de ser e os personagens estão envolvidos emocionalmente, não apenas cumprindo tabela. Diretores como Jon Favreau e Joss Whedon fizeram muito pelo estúdio, mas os Russo e sua equipe conseguiram entregar os melhores filmes desse universo, o que cresce a expectativa pelo próximo Vingadores: Guerra do Infinito.

O Pantera Negra é uma das novidades de Guerra Civil

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • "É interessante perceber que, mesmo em lados bem distintos, os laços desenvolvidos pelos personagens se mantêm e eles permanecem amigos, o que mostra ser possível respeitar a opinião do outro – mesmo que o confronto acabe se tornando físico". Você poderia explicar melhor essa parte? Pra mim, ela não faz muito sentido. Se cada lado consegue apresentar suas opiniões, opostas, e ainda assim respeitam a opinião do outro lado, qual o sentido de um confronto físico?

    • Fred, é paradoxal mesmo. Eles não veem outra forma que não o confronto físico, mas a amizade faz com que eles se freem. Os golpes desferidos não são fortes, como seriam num vilão. É uma "luta de camaradas". Tanto que a Viúva acaba acertando um golpe no Bucky e diz que o fez porque o Capitão estava se segurando. Ficou melhor explicado? Abraço!

      • Marcelo,

        A percepção que tive do filme é que nenhum dos lados tem inteiramente uma posição firme de suas convicções (o lado do Capitão América me parece ter mais convicção do que o lado do Homem de Ferro, aliás). A cena no aeroporto é oportuna para apresentar esse quadro: enquanto o "time" Homem de Ferro não está muito confortável no papel de serem um grupo de elite governamental (e terem que enfrentar "amigos"), os heróis do outro grupo (principalmente o Capitão América, pois os demais estão mais apoiando o ícone do que a ideologia) não se importam de serem considerados foras-da-lei. Aliás uma das coisas mais elogiadas é que todos os personagens apresentam seus pontos de vista de maneira crível e coerente. No meu entender, o recurso de roteiro utilizado foi picotar a opinião a favor do acordo entre alguns personagens e picotar a opinião contra o acordo entre os demais. E apenas entre os personagens que estavam na reunião do secretário Ross. Personagens como Gavião Arqueiro, Homem-Aranha e Homem-Formiga foram enfiados na história sem relação com o acordo.

        Apesar do nome "Guerra Civil", a história se desenrola mais por conta das ações e do passado do Soldado Invernal. Não há de verdade uma guerra entre os heróis. Por isso, acho precipitado terem feito esse filme agora. Fizeram por causa de Batman v Superman. O filme é uma colcha de retalhos que, por mais bem costurados que estejam, essas costuras incomodam. O Homem-Aranha, por exemplo, é a melhor coisa do filme. E isso é que é o paradoxo neste filme: é ótimo vê-lo ali, a forma como o construíram, bem próximo ao dos quadrinhos, mas não havia qualquer motivo para ele ter sido inserido nessa disputa (se você retira as cenas dele, a história continua andando). Inclusive cria um furo de roteiro, já que o Tony Stark compra a ideia do controle dos heróis porque as ações dos Vingadores em "Era de Ultron" gerou a morte, dentre várias, de um rapaz de 17 anos. Aí, de repente, ele recruta um garoto de 15 anos (que tinha adquirido seus poderes há 6 meses apenas) para entrar numa guerra! Fica nítido aqui que enfiaram o personagem durante o processo de filmagens (após o acordo com a Sony) e, assim como o Mercúrio em "Dias de um Futuro Esquecido", o personagem é descartado sem mais nem menos.

        Outra coisa que me parece visível é o personagem Máquina de Combate não ter morrido. A altura que o personagem cai e se espatifa no chão e a reação de Tony Stark (e a performance magistral de dor e perda do Robert Downey Junior) mostram claramente que a intenção original do roteiro era esta morte ser o estopim do conflito entre Capitão América e Homem de Ferro (e cria uma incoerência dentro do próprio universo Marvel, já que em HdF3 na cena do avião presidencial, o Tony Stark consegue resgatar um monte de gente). Mas provavelmente os executivos da Marvel devem ter barrado essa ideia por a terem achado muito pesada. Isso fez com que se criasse a participação inexpressiva (e sem lógica) do personagem Zemo. Como um cara sem recursos financeiros consegue empreender tantas viagens, construir bombas e entrar num edifício de segurança máxima (edifício este que não tem sequer um sistema de energia emergencial) disfarçado de um psiquiatra para se encontrar com o Bucky? Por melhor que tenham construído a motivação do personagem Zemo, em nenhum momento o filme me mostra que ele tinha condições de realizar todas essas ações.

        Esses, para mim, são alguns dos problemas que me incomodam fortemente neste filme e me fazem não achá-lo grande, memorável, muito menos o melhor da Marvel.

        Abraços!

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