Três É Demais ganha vida nova no Netflix

por Lígia Freitas

Para quem imagina como seria a continuação da vida de seus personagens favoritos em séries televisivas ou até mesmo nas telonas, os últimos anos têm nos brindado com produções que brincam com nossos sentimentos e revisitam nossa memória afetiva de forma contundente. Considerada uma das séries familiares de maior sucesso de todos os tempos, Full House (1987), trazida para o Brasil com o título Três é Demais, combinava com muita naturalidade drama e comédia.

A série, encerrada em 1995 após 8 anos de muito sucesso, tinha como mote principal a vida de uma família americana nada convencional na belíssima San Francisco. Danny Tanner (Bob Saget), âncora de um programa televisivo local, pai de Donna Joe “D.J.” (Candace Cameron Bure), Stephanie (Jodie Sweetin) e Michelle (interpretada pelas gêmeas Mary-Kate & Ashley Olsen), recebe ajuda para cuidar das três filhas após a abrupta perda de sua esposa, que sequer aparece na série. O suporte vem do amigo e comediante apaixonado por desenhos animados Joey Gladstone (Dave Coulier), carinhosamente chamado de Tio Joey, e do cunhado, Jesse Katsopolis (John Stamos), o fã de Elvis metido a motoqueiro rebelde que se derrete pela família.

Ao longo das temporadas, somos apresentados a Rebecca Donaldson (Lori Loughlin), colega de bancada de Danny que inevitavelmente se rende ao charme do Tio Jesse e passa a ser a referência feminina das meninas Tanner; Kimmy Gibbler (Andrea Barber), melhor amiga de D.J.; Steve Hale (Scott Weigner), namorado de D.J. por alguns anos; e, fechando os personagens mais recorrentes, Nicky (Blake Tuomy-Wilhoit) e Alex Katsopolis (Dylan Tuomy-Wilhoit), filhos de Jesse e Becky.

Com um estilo de humor bem simples e eficiente, a sitcom conquista não só pelo apelo familiar, mas também por ter encontrado em seus personagens algo incomum: identificação com o público de todas as idades. Todos passamos por fases diferentes na vida, e cada personagem, à sua maneira e com o seu bordão, conseguia trazer ao espectador essa visão de mundo, fazendo com que, na medida em que crescíamos com o seriado, pudéssemos nos identificar em situações parecidas de nosso cotidiano. A série emplacou vários novos talentos, com destaque para as gêmeas Olsen. Hoje mais dedicadas à carreira de fashion designers, durante um bom tempo reinaram em produções para Cinema e TV voltadas ao público infanto-juvenil. Como esquecer do clássico das reprises vespertinas As Namoradas do Papai (It Takes Two, 1995)?

Apoiados nesse sentimento saudosista que os trintões de hoje suportam após o término da série, Jeff Franklin, criador de Full House, nos trouxe recentemente uma grande surpresa: Fuller House, novo seriado, continuação do sucesso de 1987, com os antigos personagens e adesões, incrementando, assim, a história pela qual nos apaixonamos. A nova temporada é mais do mesmo, ainda que com elementos novos. Embora traga os antigos membros da família Tanner, a situação mudou, pois o público também mudou – amadureceu. Encaramos agora uma D.J. Fuller adulta, veterinária, viúva, mãe de três filhos: Michael Campion como Jackson Fuller, 13 anos, muito mexido com a perda do pai; Elias Harger como Max Fuller, filho de 7 anos, de personalidade muito próxima ao que era Stephanie; e Dashiell e Fox Messitt como Tommy Fuller, Jr., ainda bebê.

D.J., após perder o marido Tommy, recebe a ajuda não só do pai, Danny, dos tios, Jesse e Becky, e do amigo Joey, mas também da irmã Stephanie, aspirante a cantora e DJ (fazendo graça com o nome da irmã). E há ainda sua melhor amiga, Kimmy Gibbler, que finalmente consegue realizar o sonho de morar na mesma casa dos Tanner, junto com sua filha Ramona (Soni Bringas), fruto de seu relacionamento com o argentino Fernando Hernandez-Guerrero-Fernandez-Guerrero (Juan Pablo Di Pace). A adulta D.J. se vê envolvida em um triângulo amoroso com o seu eterno primeiro amor, Steve, e seu colega de profissão, Matt Harmon (John Brotherton). Stephanie é uma solteira à procura de aventuras amorosas e de aceitação, e Kimmy, por sua vez, vive uma conturbada relação com o pai de sua filha, e também precisa de ajuda. Outros personagens fazem aparições esporádicas na nova trama, sem desgastar, assim, a imagem do que os fez especiais. As intervenções são poucas, assertivas e corretas. A única personagem que não retornou foi Michelle, embora seja mencionada em raros momentos.

Há uma especulação grande sobre o porquê de Mary-Kate e Ashley Olsen não estrelarem também a nova produção, mas após alguns desentendimentos públicos no Twitter com John Stamos, que sempre foi muito próximo das irmãs, o que ficou claro é que ambas não se consideram atrizes e que declinaram elegantemente o convite, bem como Elizabeth Olsen, também atriz, irmã das gêmeas. Há rumores de que Olesya Rulin, atriz de séries como NCIS e Drop Dead Diva, seria convidada para a próxima temporada, ainda a ser lançada, por sua semelhança física com as irmãs Olsen, e que daria vida a uma versão adulta de Michelle, mas ainda não há confirmação sobre os rumos da série.

O que não se pode perder de perspectiva são os acertos do provedor de filmes e séries via streaming Netflix, que já há algum tempo vem se dedicando ao lançamento de produtos originais, como as aclamadas House of Cards e Demolidor. É incrível perceber como a forma de trabalho tem evoluído de forma geral com o chacoalho dado pelo serviço on line. Em oposição ao que fazem os estúdios tradicionais, as produções do Netflix não contam com a adaptação do roteiro ao que o estúdio quer entregar ao público; se aprovado, o roteiro entra imediatamente em fase de produção, e isto é o que tem dado vazão a séries como Fuller House, que talvez não tivesse a mesma chance de emplacar em um canal de televisão tradicional, como feito no final da década de 80. As tentativas vinham acontecendo com vários canais de TV a cabo e outros distribuidores desde 2007, conforme informado pelos executivos responsáveis pelo retorno da série, e sem sucesso. Coube ao Netflix, como sempre, inovar, requentando uma fórmula infalível de entretenimento.

Para esta primeira temporada, o que temos é muito saudosismo em forma de imagens. Muitas referências são feitas aos acontecimentos da primeira série e também muito se brinca com a vida pessoal dos atores, como em uma das cenas do décimo segundo episódio em que Steve e D.J. escutam uma música que Alanis Morissette escreveu para Dave Coulier, com quem teve um conturbado relacionamento. D.J. pergunta a Steve: “Você sabe a quem esta música realmente se refere?”. Rir de si mesmo nunca envelhece, como se percebe em várias situações da série.

Apesar de críticas negativas, Fuller House não tem pretensões diferentes: é abertamente nostálgica e repete as mesmas fórmulas do que fez de Full House um sucesso de audiência. Traz discussões bem humoradas sobre o cotidiano de uma família que poderia ser a minha ou a sua, e a segunda temporada já está confirmada, para alegria dos fãs de outrora – e para os filhos deles também. Vai ter Tio Jesse cantando Forever e a família Tanner se abraçando por mais algum tempo no Netflix, sim, senhoras e senhores!

O elenco atualizado de Fuller House

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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