Batman vs Superman – Segunda parte

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Após a exibição de Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice, 2016), “decepção” é a sensação que fica. Infelizmente, depois de seguir toda a história dessa produção – e lá se vão quase três anos – a verdade é que o filme entrega exatamente o que era esperado: algo muito barulhento, muito pirotécnico, com pouca história, personagens completamente desconectados de seu conceito original, ao ponto de parecerem desvirtuados, e um roteiro que claramente foi reescrito inúmeras vezes.

Batman vs Superman não estava, originalmente, dentre os filmes a serem produzidos pela Warner. A ideia era que um segundo longa solo do Superman seguisse O Homem de Aço (Man of Steel, 2013). O fato dele ter feito abaixo do esperado em termos de bilheteria nos EUA, associado ao sucesso de praticamente todos os filmes da Marvel – incluindo aí aqueles protagonizados por personagens completamente desconhecidos, como Os Guardiões da Galáxia (2014) e Homem-Formiga (2015), que, é bom lembrar, rendeu mais do que o recomeço da franquia do Superman na Terra do Tio Sam – fez com que a Warner mudasse sua estratégia. Ao invés de construir um universo cinematográfico aos poucos, apresentando os personagens em filmes solo e depois juntá-los em um único, a WB optou pelo inverso. Primeiro, um filme onde reunimos a Trindade da editora, e depois planejamos os filmes solo. Isso definido, praticamente todas as semanas víamos notícias de novos personagens e cenas sendo adicionadas ao filme. Nas mãos de um diretor realmente preocupado em construir uma história sólida, isso já seria complicado. Entregue essa tarefa à dupla David S. Goyer e Zack Snyder e é bem provável que a coisa desande. Nem mesmo com os remendos de Chris Terrio (do excelente Argo, 2012), a coisa melhora muito.

Talvez o grande problema da Warner Bros seja sua tentativa de afastar o máximo possível os seus filmes da estética estabelecida pela Marvel. Some-se a isso o sucesso alcançado por Chris Nolan na trilogia do Batman e o estúdio decidiu que a encarnação dos heróis da DC na telona precisa ter um tom sombrio, sério, sisudo, bem distante dos filmes coloridos da concorrência. Isso funciona muito bem com Batman e apenas com ele. Se tem uma coisa que O Homem de Aço provou é que um Superman sombrio não é algo que funciona. Snyder, ao invés de entender as críticas recebidas, preferiu desdenhar dos críticos, dizendo que quem não entendera seu Superman não conhecia realmente o personagem, e insistiu no mesmo erro. Não só isso, como o expandiu para os demais personagens na película.

Nunca, nem mesmo em O Cavaleiro das Trevas – obra em quadrinhos que Snyder disse ter usado como referência fundamental para o roteiro de seu filme e cuja influência podemos ver aqui e ali – o Homem Morcego aparece tão violento e impiedoso como aqui. A desculpa de que isso seria resultado de vinte anos combatendo o crime sem ver grandes resultados não cola se levarmos em conta o histórico do personagem dentro e fora da telona. Snyder, no entanto, não se importa muito com isso. Se um Batman violento e desvirtuado de seu conceito original é o que ele acha que funciona, que seja. O Batman de Snyder parece mais o Justiceiro (vigilante da Marvel cuja característica principal é a forma como cuida permanentemente de seus inimigos). Por incrível que pareça, a terceira ponta da Trindade, a Mulher-Maravilha, é a que mais funciona. Gal Gadot entrega uma performance bem equilibrada e discreta a uma personagem que entrou no roteiro aos 45 do segundo tempo e não há qualquer preocupação em explicar quem ela é e de onde veio. Ela é a Mulher-Maravilha e sua história será revelada em seu filme solo. Isso não atrapalha nem um pouco e espera-se que seus poucos minutos em tela sejam o suficiente para despertar o interesse do público pelo seu longa.

Outro problema do filme está no vilão principal. O Lex Luthor de Jesse Eisenberg consegue, em muitos momentos, ser ainda mais caricato do que a versão de Kevin Spacey em Superman: O Retorno (2006), ainda que a caracterização do personagem seja bem próxima dos tempos atuais. Lex é um desses jovens gênios milionários envolvidos em empresas desenvolvedoras de tecnologia, ainda que sua Lexcorp esteja mais ligada ao campo militar do que à internet. Mesmo mostrando-se ameaçador como deveria em alguns momentos, o fato é que Eisenberg não conseguiu equilibrar exatamente essas duas facetas do personagem. Ele funciona bem nos momentos mais sérios, mas exagera quando tenta fazer Luthor ser o único e efêmero alívio cômico da película.

Se Eisenberg escorrega para manter o equilíbrio de seu personagem, o mesmo não pode ser dito de Ben Affleck. Criticado antes mesmo de ser confirmado para o papel de Bruce Wayne, Affleck atua de maneira correta e discreta, sem qualquer tipo de exagero ou desvio. Fisicamente, este é o Batman mais próximo dos quadrinhos mostrado até hoje no cinema e o uniforme supera em muito os anteriores. O resto do elenco de apoio, especialmente Amy Adams como Lois Lane, Laurence Fishburne como Perry White e Diane Lane como Martha Kent, também reprisa seus papéis de maneira bastante competente, com destaque para uma novidade, o tipicamente britânico Alfred de Jeremy Irons. Há ainda diversos nomes consagrados do cinema fazendo participações pequenas, mas revelá-las aqui apenas estragaria a surpresa.

Pode parecer que não há nada que se salve no filme. Longe disso, há momentos interessantes e enquanto Snyder poderia ter optado por soluções estéticas melhores – como, por exemplo, mostrar os dias de Metrópolis ensolarados e os de Gotham nublados para destacar o contraste entre luz e trevas que marca as duas cidades e seus respectivos defensores, ainda que isso seja um clichê – o visual do filme é bem adequado à sua proposta. É tudo cinzento, escuro, opressivo, nublado e chuvoso. A preocupação em ser fiel visualmente ao trio de protagonistas também se vê claramente. Falando apenas esteticamente, nunca Batman foi tão bem retratado na tela do cinema, tanto no que diz respeito ao visual de seu uniforme quanto em relação às suas habilidades marciais e as adaptações feitas ao uniforme da Mulher-Maravilha também funcionam muito bem. Até mesmo na longa cena final de luta, Snyder procurou corrigir alguns de seus vícios e, salvo raros momentos, tudo o que é mostrado na tela pode ser visto e entendido de maneira bastante clara. Se ela parece genérica e nada inspirada, aí é outra história.

A equipe escolhida pela Warner para cuidar de seu universo cinematográfico parece mais preocupada em correr com a produção de seus filmes do que em efetivamente conhecer o material que tem em mãos e trabalhá-lo da melhor forma possível, mesmo que isso demore mais tempo. A WB parece querer simplesmente alcançar – ou mesmo ultrapassar – a Marvel nessa corrida, algo que não parece muito realista. Fazendo isso, ela corre o grande risco de prejudicar ainda mais o futuro de seus personagens no cinema, especialmente se, com o objetivo de alcançar a concorrente, continuar entregando ao público filmes abaixo do que o ele merece e espera, com personagens desvirtuados e histórias que não se sustentam. Se Batman vs Supeman: A Origem da Justiça deu o tom do que o Universo DC será no cinema, podemos prever um novo reboot desses personagens em um futuro não muito distante.

Recentemente, Zack Snyder revelou que há duas versões de Batman vs Superman: essa que foi para os cinemas e uma com censura 17 anos, que será lançada direto em bluray e DVD. Nela, há pelo menos um personagem que não aparece na versão cinematográfica e, segundo o diretor, muda completamente a história da película. Snyder disse também que a cena pós-créditos do filme seria a mais longa da história mas, pelo menos nas cabines às quais comparecemos, não há qualquer cena pós-créditos no longa.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • A Warner levou 10 anos para criar a infância, adolescência e amadurecimento do Superman, com a série Smallville. No ápice da história, no final da décima temporada, surge o anúncio de Superman Returns que nós, fãs da série, achávamos que seria a coroação de uma super-produção de 10 anos!!! Mas Bryan Singer decepcionou totalmente, com Brandon Routh interpretando um homem de aço totalmente fora do contexto, desfocado, sem alma; os elementos que foram criados ao longo da década simplesmente foram esquecidos, levando os fãs a ficarem superdecepcionados (super mesmo!), e tivemos a sensação que alguém com muito mais poderes determinou que deveriam simplesmente fazer uma continuação com cara de remake de Superman III, de Reeve. Então, não é de se estranhar que os produtores, roteiristas e e Snyder tenham esse apagão todo! Será que é tão difícil consultar os fãs, os verdadeiros e super especialistas?

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