por Marcelo Seabra
O Cinema está cheio de longas que retratam o jornalismo, tendo a profissão maior ou menor importância dependendo da situação. Em Spotlight: Segredos Revelados (2015), os protagonistas trabalham em um jornal regional recentemente comprado por um grupo grande e entram em uma investigação que daria origem a uma matéria de grandes repercussões. Boa parte da comunidade de Boston, de alguma forma, ajudou a encobertar denúncias de pedofilia por parte de diversos padres católicos, começando pela própria Igreja. E o mais revoltante disso tudo é tratar-se de uma história real, que estava nos noticiários há alguns anos.
Saindo de uma bobagem com Adam Sandler, Trocando os Pés (The Cobbler, 2014), Tom McCarthy partiu para algo mais sério e escreveu o roteiro original com Josh Singer (de O Quinto Poder, 2013). Assumindo a direção, ele traz bastante veracidade ao longa, apresentando práticas e procedimentos jornalísticos com detalhes. Vimos como são tratadas as fontes, seus nomes, depoimentos, notas, a necessidade de se ouvir os dois lados da história, até a moderação no uso de adjetivos, para não conduzir o leitor e deixá-lo tirar suas próprias conclusões. Assim como em A Grande Aposta (The Big Short, 2015), temos uma história verídica e chocante, mas o enfoque aqui é mais sério e objetivo, já que não há necessidade de se explicar termos técnicos.
As similaridades com este outro filme não param por aí. McCarthy trouxe seu fiel montador, Tom McArdle, que alterna trechos da história para que possamos conhecer mais elementos progressivamente, entendendo tudo o que está se passando. Temos um grupo de atores do qual ninguém parece ser o principal. A importância de todos para a trama parece se igualar, e o elenco é fantástico. John Slaterry (o Howard Stark da Marvel) é Ben Bradlee Jr., filho do famoso editor do caso Watergate (retratado no excelente Todos os Homens do Presidente, 1976). Ele recebe um novo editor para o jornalismo do Boston Globe, Marty Baron (Liev Schreiber, da série Ray Donovan), e o sujeito encarrega a equipe investigativa Spotlight de descobrir o que houve no caso de um padre que foi acusado de assediar meninos da paróquia. A ideia não é atacar um padre, mas toda a instituição que o protegeu.
A equipe, formada pelo editor Walter Robinson (Michael Keaton, de Birdman, 2014) e os repórteres Michael Rezendes (Mark Ruffalo, o Hulk), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams, de Sob o Mesmo Céu, 2015) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James, de O Encontro, 2014), começa a buscar dados, fazer entrevistas e cavar em torno das providências da Igreja quanto ao padre John Geoghan, citado em uma coluna recente do jornal. Desse indivíduo, eles conseguem algo muito maior, e os caminhos que a investigação tomam são fantásticos de se acompanhar. Assim como em A Grande Aposta, tudo é muito interessante até que se chegue a um final deprimente, ou revoltante. E essa raiva e frustração se concentram no personagem de Ruffalo, que melhor faz a ponte com o público e merecidamente foi lembrado em várias premiações. Mas até as participações menores estão ótimas, todos parecem escolhidos a dedo para seus papéis. Os próprios retratados, em entrevistas posteriores, relataram o quão assustador era ver os atores em ação, como espelhos com vida própria.
É estarrecedor ver como as pessoas arrumavam atenuantes ou justificativas para os casos de violência física e psicológica praticados pelos padres. A postura da Igreja Católica, claro, era colocar panos quentes, mas sempre sob a promessa de que providências seriam tomadas. Alguém chega a apontar que aquela “perseguição” se daria pelo novo editor ser judeu, acusação que visaria esvaziar a história de forma covarde e burra. A desculpa de “estava apenas fazendo o meu trabalho” poderia ser aceita no caso dos advogados que defendiam os acusados? Questões éticas sobre culpa e responsabilidade são levantadas, e recaem até sobre os próprios jornalistas do Globe, que demoraram a tomar providências.
Spotlight não só é um grande filme como indica discussões importantes e necessárias. O papel da mídia, em tempos tão complicados como os que vivemos, está em cheque. Grandes veículos tomam seus lados de forma velada e atacam descaradamente o outro, revelando partidarismo onde deveria haver isenção. A missão de levar fatos ao leitor é substituída por fazê-lo tomar o lado defendido pelo editor ou pelo dono, claramente bancado por interesses econômicos ou políticos. Equipes como a de Robby Robinson são cada vez mais raras, infelizmente.
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