Entenda a crise financeira com A Grande Aposta

por Marcelo Seabra

Um dos destaques da atual temporada de premiações está em cartaz no Brasil e de fato merece a atenção que vem recebendo. A Grande Aposta (The Big Short, 2015) reúne um elenco muito bem escolhido e entrosado para enfiar o dedo em uma ferida recente que atingiu os Estados Unidos e, na sequência, o mundo: a crise financeira de 2007/2008. Misturando humor e drama de forma equilibrada, o longa diverte, informa e indica que tudo pode estar perto de se repetir. Aparentemente, não se aprendeu nada com o episódio.

O roteirista Charles Randolph, que teve sua estreia no Cinema com A Vida de David Gale (The Life of David Gale, 2003), mais uma vez entra em um projeto que apresenta uma situação que pode e deve levar a discussões importantes. O jornalista e escritor Michael Lewis já havia tido duas adaptações de livros seus: Um Sonho Possível (The Blind Side, 2009) e O Homem Que Mudou o Jogo (Moneyball, 2011). Dessa vez, ele deixou de lado os esportes e virou seu olhar para as altas finanças e a bolha do mercado imobiliário que levou a um dos maiores colapsos da história, que quebrou muitas empresas e fez muita gente perder as economias de uma vida inteira.

Unindo-se à produção, o diretor Adam McKay reescreveu o texto de Randolph e conseguiu mais um acerto em uma carreira marcada por altos (O Âncora, 2004) e baixos (Quase Irmãos, 2008). Com uma montagem ágil, ele mistura imagens da época para situar o público no que estava acontecendo, preocupando-se em ser didático sem ser cansativo. Ao contrário do ótimo Margin Call (2011), que se foca em um caso exemplar, A Grande Aposta ataca logo o cenário completo, sem medo de deixar claro que a crise foi causada por muita gente de mau caráter que levava as falcatruas com imóveis a um extremo que chegava a ser ridículo. Não há heróis nesse universo, há apenas graus de falta de ética, moral e até de empatia com os inocentes que era lesados. E os responsáveis ainda tentam se justificar, criando historinhas para desculpar tais práticas abomináveis.

O longa apresenta alguns personagens que serão fundamentais para montar a situação. O controlador de fundos que descobre a jogada da valorização de hipotecas que não darão em nada e aposta contra com o dinheiro de seus investidores é vivido pelo eterno Batman Christian Bale, papel que lhe valeu diversas indicações a prêmios como ator coadjuvante. Outros habitantes importantes desse mundo são interpretados por Steve Carell, Ryan Gosling, John Magaro, Finn Wittrock e Brad Pitt, além de vários técnicos e assistentes. Pitt é inclusive produtor e pode levar seu segundo Oscar de melhor filme (depois de 12 Anos de Escravidão, 2013).

Como uma fala do próprio filme afirma, o mercado financeiro se valoriza criando termos técnicos difíceis. Por isso, há explicações básicas e bem humoradas, que utilizam legendas oportunas e celebridades para passar a mensagem, provando que qualquer um consegue entender o que há debaixo daqueles jargões. Os diálogos com a câmera causam mais risos do que compreensão, derrubando a quarta parede de forma muito engraçada. Vez ou outra, há algo mais profundo que demanda nossa atenção, como a metáfora da auditora que usa óculos escuros enquanto mantém a postura de correta e os tira quando entrega a canalhice que sua empresa perpetra. Michael Lewis já foi acusado de mexer nos fatos que narra e até isso vira piada, já que um personagem explica em certo momento que as coisas não aconteceram exatamente daquele jeito. E o bom uso da trilha sonora só coroa uma obra rica e interessante.

Gosling, Bale, Carell e Pitt formam o elenco principal

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Muito bom. Achei um filme bem legal e me surpreendi com o Steve Carell sério.

  • Um erro que cometi foi ver esse filme no cinema. Não é um filme para cinema, nem TV. É para ser visto em DVD ou em streaming, pausando toda hora, pesquisando na internet e em dicionários financeiros para compreender melhor. Foi como comer uma comida pesada em pouco tempo, você acaba ficando empaturrado logo e não aproveita tudo. Pretendo ver novamente com calma quando tiver tempo.

Recent Posts

Michael Keaton faz dose dupla de pais ausentes

Em um curto intervalo, Michael Keaton curiosamente estrelou dois longas sobre pais ausentes: Pacto de…

2 dias ago

Conheça a carreira do talentoso Ripley no Cinema

Muita gente que viu a série Ripley não conhecia bem o personagem e O Pipoqueiro…

6 dias ago

Oscar 2025 – Indicados e Previsões

Como acontece todos os anos, há mais de uma década, O Pipoqueiro traz os indicados…

2 semanas ago

Oscar 2025 – Um Completo Desconhecido

Outro indicado ao Oscar 2025, Um Completo Desconhecido apresenta um curto momento da vida de…

2 semanas ago

Oscar 2025 – O Brutalista

Com dez indicações ao Oscar 2025, O Brutalista é um dos destaques da temporada de…

3 semanas ago

Admirável Mundo Novo estreia outro Capitão América

Admirável Mundo Novo é a primeira aventura de Sam Wilson como o novo Capitão América…

4 semanas ago

Thank you for trying AMP!

We have no ad to show to you!