por Marcelo Seabra
Em várias ocasiões, Quentin Tarantino deixou clara a sua admiração pelo faroeste, gênero que acompanha desde pequeno. Principalmente os italianos, dos clássicos aos menos visados. Por isso, não foi surpresa quando descobrimos que ele faria Django Livre (Django Unchained, 2012), longa extremamente elogiado e premiado. E o próximo trabalho do diretor e roteirista acabou sendo outro faroeste: Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 2015), já em cartaz no Brasil. Humor, violência e diálogos afiados, tudo dentro de um cenário simples e com um elenco mais do que conhecido.
O longa começa em alta, com um tema majestoso do maestro Ennio Morricone, que tem mais de 500 créditos como compositor, dentre eles vários trabalhos com o consagrado Sergio Leone e com o próprio Tarantino, com quem chegou a afirmar que não voltaria a trabalhar devido à falta de coerência no uso da trilha. O cenário gélido dá o tom do que teremos pela frente: uma nevasca faz um grupo de indivíduos com pouca ou nenhuma ligação parar numa hospedaria e é lá que a ação vai se desenrolar. A beleza da fotografia de Robert Richardson se revela aí, nas externas na neve, mas logo entra na casa e converte um cenário simples em algo opressor e claustrofóbico, mantendo sua genialidade. Antes da exibição do longa, acompanhamos um rápido documentário sobre o sistema Panavision 70mm e suas lentes anamórficas, que já dá uma ideia do espetáculo visual que virá – mesmo que entregue algumas cenas, o que é abominável. O detalhamento da composição da casa e a forma como cada elemento é mostrado é de encher os olhos.
Para viver os oito confinados (que, na verdade, são nove, já que há um cocheiro), o diretor trouxe velhos conhecidos. A maioria dos atores já trabalhou com ele em outras oportunidades, inclusive mais de uma vez. Dessa turma, aparecem Tim Roth, Michael Madsen, Samuel L. Jackson, James Parks, Kurt Russell, Bruce Dern e Walton Goggins, e fecham o elenco principal os “novatos” Demián Bichir (de Machete Mata, 2013) e a ótima Jennifer Jason Leigh (de Versos de um Crime, 2013). A brincadeira com o título representa a carreira de Tarantino: o filme é anunciado como o oitavo do diretor, quando na verdade ele comandou nove (Kill Bill foi dividido, certo?). E há nove pessoas na cabana, cada um representando um estereótipo. É interessante notar a fragilidade das relações, já que os vários preconceitos envolvidos fazem os personagens mudarem de lado assim que percebem características nos outros que eles não toleram. Este tipo de crítica não é raro na filmografia do diretor, que frequentemente aponta o dedo para a estupidez alheia.
Com uma trama que pode ter bebido na fonte de O Caso dos 10 Negrinhos, ou mesmo do jogo Detetive, Tarantino vai revelando pouco, mais preocupado em construir melhor cada uma das personalidades, até para que o público se importe com elas. Flashbacks ajudam nessa elaboração, e há até encenações do que está sendo contado, mas ficamos invariavelmente sem saber se aquilo é de fato o que aconteceu. Os personagens de Samuel L. Jackson, Kurt Russell e Jennifer Jason Leigh parecem ser os principais, mas cada um tem seu momento para brilhar, numa divisão bem equilibrada.
Como sempre acontece em um filme de Tarantino, Os Oito Odiados tem diversos momentos engraçados, e outros tantos violentos, com sangue e miolos voando. E muitos onde os extremos se misturam, e rimos de nervoso com tamanho exagero na violência gráfica, o que pode gerar certo desconforto. Mas o resultado é fantástico: mesmo longo, com suas três horas de duração, funciona como uma alegoria brilhante, uma crítica feroz e um entretenimento dos melhores. Raras vezes o dinheiro do ingresso foi tão bem empregado.
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