por Marcelo Seabra
Dois longas atualmente em cartaz partilham características: são baseados em fatos e dão uma leve exagerada no melodrama. Mesmo com essa ressalva, ambos conseguem atingir bons resultados, cada um com seus méritos. Ponte dos Espiões (Bridge of Spies, 2015) tem o peso de seu diretor, Steven Spielberg, e de seu protagonista, Tom Hanks, e faz um retrato mais realista e menos excitante dos agentes da Guerra Fria, que usavam mais a caneta do que armas. E Os 33 (The 33, 2015) dramatiza a saga dos mineiros chilenos que ficaram presos em uma mina após um desabamento. Dois episódios fortes que não precisavam de tantos discursos, closes e trilhas sentimentais para emocionar o público.
Não é de hoje que Spielberg faz escolhas perigosas. Ao mesmo tempo em que ele cria passagens memoráveis, divertidas e tensas, outras ficam bem além da conta no quesito apelação, feitas para fazer chorar. Há algumas amostras nesse Ponte dos Espiões, e incomodam um pouco. Mas há várias compensações, a começar pela atuação de Hanks. Seguro como sempre, ele confere a seu personagem a hombridade necessária. Ele parece ser a única pessoa correta em meio a uma turba enfurecida que pretende condenar um suspeito de espionagem russo. É uma surpresa agradável ver a maturidade do diretor ao não ter medo de mostrar o povo americano de forma tão negativa.
A trama básica do longa envolve um espião russo que é preso em solo americano, um trabalho belíssimo do veterano Mark Rylance (de O Franco-Atirador, 2015). O Coronel Abel é um homem metódico, calmo, até bem humorado, principalmente naquelas circunstâncias. James Donovan (Hanks) é um advogado que lida com seguros apontado pelo sócio sênior do escritório para defender o russo. A CIA pretende mostrar para a opinião pública que o julgamento foi correto e a justiça foi feita. O problema é que Donovan leva a tarefa a sério, quase como um Atticus Finch (de O Sol É Para Todos, 1962), tornando-o o segundo homem mais odiado da América – atrás apenas de Abel. As cenas entre os dois atores são o ponto alto do filme. Dois patriotas sensatos em lados opostos de uma guerra fria.
Se, no início, acompanhamos um drama de tribunal, logo acompanharemos uma negociação, e as coisas se tornam ainda mais interessantes. O filme vira uma aula de argumentação e, apesar de ter um ritmo mais lento, não cansa, sempre mantendo o interesse do público. Por isso, engolimos uma cena ou outra mais boba e a trilha de Thomas Newman, que insiste em querer guiar as emoções do espectador, caindo na obviedade. A fotografia do parceiro habitual Janusz Kaminski abusa de takes noturnos e na chuva, além do frio alemão, o que acaba proporcionando umas imagens bonitas.
O outro longa a trazer uma legenda nos informando ser uma história real, Os 33, é baseado num fato recente que muitos acompanharam pela televisão. Uma mina de cobre no vilarejo de Copiapó, no deserto de Atacama, desabou e prendeu 33 mineiros a 700 metros de profundidade. O resgate era uma missão quase impossível e tudo foi relatado pelo jornalista Héctor Tobar no livro que ganhou esta adaptação. A mexicana Patricia Riggen (de Garota em Progresso, 2012) assina a obra e trouxe dois grandes nomes para atrair atenção: Antonio Banderas e Rodrigo Santoro. Não que o elenco se restrinja a eles, mas são de fato os principais.
Desde o início, conhecemos os traços básicos da personalidade dos membros mais importantes do grupo, o que permite um mínimo de identificação. Uma vez que o incidente ocorre e os trabalhadores ficam presos, somos apresentados ao representante do governo que vai intermediar a situação. Banderas (de Os Mercenários 3, 2014) assume a liderança entre os mineiros e Santoro (de Golpe Duplo, 2015) é o porta-voz do presidente (vivido por Bob Gunton, de Demolidor). Outros nomes famosos presentes são os de Juliette Binoche (de Godzilla, 2014), Gabriel Byrne (de Vikings), James Brolin (de Amor por Acidente, 2015) e o sumido Lou Diamond Phillips (de Longmire). Tantas nacionalidades diferentes reunidas, personagens chilenos e a língua que ouvimos é o inglês. Isso causa muita estranheza.
Assim como em Ponte dos Espiões, em Os 33 temos uma trilha sentimental inadequada, discursos de bom mocismo e closes heróicos. Mas a história é poderosa o suficiente para segurar essas derrapadas, o elenco funciona muito bem, a fotografia do deserto, com suas cores quentes, é utilizada de maneira acertada. Muita coisa conta a favor para que o resultado fique positivo.
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