Del Toro leva terror à Colina Escarlate

por Lígia Freitas e Marcelo Seabra

Ao observar as descobertas da doce Alice Kingsley no criativo longa de Tim Burton, baseado no clássico de Lewis Carrol, imaginávamos ter visto toda a coragem de Mia Wasikowska em cena. Ledo engano. A Colina Escarlate (Crimson Peak, 2015) nos mostra que ela estava apenas se aquecendo, ganhando fôlego para interpretar a sofrida Edith Cushing no novo trabalho de Guillermo del Toro. O diretor faz uma homenagem aos clássicos do terror, à Os Inocentes (The Innocents, 1961), abusando de contrastes e sombras, aparentemente mais preocupado com a forma que com o conteúdo.

O filme nos transporta para o século XIX, quando nos encantamos por Edith, uma americana aspirante a escritora que, logo de início, nos mostra que pouco tem de Jane Austen e mais de Mary Shelley. Ou, pelo menos, é isso que a narrativa inicialmente nos faz crer. Após enfrentar a morte da mãe quando criança, ela passa a vivenciar fenômenos sobrenaturais, deparando-se com a presença de uma entidade assombrosa, talvez a mãe, que a pede para manter distância da colina escarlate, mensagem até então indecifrada.

Passados alguns anos, Edith tenta, em vão, que sua obra dramática de ficcção seja aceita pelos homens encarregados do mundo em pleno século XIX, que sugerem que deve haver mais romance em suas linhas. Fantasmas, que servem de metáfora para o passado, não vendem – ao menos, se escritos por uma mulher. Para que sua caligrafia feminina não a denuncie, ela pede ao pai, um influente e nobre construtor (Jim Beaver, da série Supernatural), para usar a máquina de datilografar do escritório. Lá, encontra aquele que personificaria todo o seu ideal romântico pueril: Thomas Sharpe (Tom Hiddleston, o Loki da Marvel), jovem do norte da Inglaterra, inventor que carece de investimentos. A irmã, Lucille Sharpe (Jessica Chastain, de O Ano Mais Violento, 2014), é uma misteriosa – e mal humorada – pianista que está sempre por perto.

A reclusa Edith cede à tentação, aceita ir a uma festa com Thomas e provoca inveja no mulheril presente, além da ira de Lucille, ao dançar com ele uma delicada e autêntica valsa à moda europeia. A partir daí, uma sucessão de fatos tão tristes como estranhos levam a agora Sra. Sharpe, não mais Srta. Cushing, ao norte inglês, à mansão decadente dos nada usuais irmãos. Com sua veia investigativa, a garota começa a descobrir o que não deve. O barro vermelho do terreno da Colina Escarlate circunda a vida e morte da família Sharpe. O uso do vermelho é uma associação clara à tragédia.

Com efeitos visuais, música marcante, figurinos, vocabulário e ambientação, o longa convence, especialmente quanto à caracterização da época em que se passa a trama. O filme busca elementos temáticos presentes na obra de del Toro, como o surreal, o impressionante e o incomum, já anteriormente vistos em Hellboy (2004) e O Labirinto do Fauno (Pan’s Labyrinth, 2006). E não poderia faltar o mímico Doug Jones, dando vida à criatura fantasmagórica. Na fotografia, efeitos visuais e na interpretação de Hiddleston, o filme é “mais”, convence. Mesmo que o ator assuma demais uma postura de coitadinho e seu personagem não tenha muita coerência.

O tom gore-gótico do filme retoma um pouco do gênero terror de antigamente, onde o sangue se mistura muitas vezes com a própria terra de cor carmim, ressaltada pela aparência gélida do local. Não deixa de ser uma referência à intrínseca raiz violenta da família de Thomas e Lucille e à estranha relação entre eles. O clima lembra o também requintado A Mulher de Preto (The Woman in Black, 2012), mas com uma história bem menos interessante, sem surpresas, requentando o velho número da casa assombrada. Mama (2013), também produzido pelo mexicano, conseguiu ir mais longe nessa mesma vizinhança. A dupla do roteiro, coescrito por Matthew Robbins, é a mesma do fraco Não Tenha Medo do Escuro (Don’t Be Afraid of the Dark, 2010), se repetindo mais uma vez.

Embora “mais” no visual, o roteiro é “menos” nas escolhas feitas pelos personagens e pelo compasso, muito acelerado, mas vazio de acontecimentos. Os sentimentos provocados no público acabam por ser frágeis, pois em determinado momento começamos a nos questionar onde estaria aquela força feminina de Edith, ofuscada pelo amor fulminante dedicado a Thomas Sharpe. Sentimento este aos nossos olhos tão raso quanto a interpretação de Jessica Chastain, que mal convence como vilã, sem conseguir escapar da fórmula. Charlie Hunnan (de Círculo de Fogo, 2013) é outro castigado, vivendo uma figura quadradinha.

Onde o filme é “mais”, é mais da mesma lição já há muito aprendida: temer pouco os mortos, mais os vivos.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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