por Marcelo Seabra
Quando parecia não haver mais jeito de levar Peter Pan às telas, vem Hollywood com uma prequel contando as origens do garoto, que vira uma mistura de super-herói com Neo, o predestinado de The Matrix (1999). E lembra o recente Drácula – A História Nunca Contada (Dracula Untold, 2014), já que revela fatos que até então eram desconhecidos pelo simples motivo de terem sido inventados agora. Este novo Peter Pan (Pan, 2015) cria um punhado de elementos para a mitologia do garoto que deixaria J.M. Barrie com a impressão de não conhecer sua própria criação.
Usando como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, o longa parte para uma abordagem sombria, mostrando Peter (Levi Miller – abaixo) e diversos outros garotos órfãos sofrendo nas mãos de uma cruel diretora de orfanato. No momento em que pessoas descem por uma corda do teto do lugar para sequestrar crianças, você percebe que toda aquela seriedade foi pro espaço. Literalmente! Um navio voador os leva embora para a Terra do Nunca, cuja localização desconhecemos. Uma série de improváveis coincidências faz com que Peter fique cara a cara com o impiedoso pirata Barba Negra (Hugh “Wolverine” Jackman), o responsável pelo trabalho escravo de milhares de pessoas, predominantemente crianças, nas montanhas e paredes da Terra do Nunca.
Arranhando a questão da escravidão bem de leve, o roteiro de Jason Fuchs (de A Era do Gelo 4, 2012) faz uma mistura louca de piratas, fadas, rebeldes da floresta que devem proteger as fadas dos piratas – por algum motivo – e diversas outras situações que ficam muito mal explicadas e aparecem quando é conveniente. Há muita explicação para umas coisas e nenhuma para outras, o que fica além ou aquém do ideal, nunca na dose certa. A predestinação de Peter deixa tudo muito previsível e enfraquece o personagem, que deveria ser apenas mais um “garoto perdido”, mas agora tem um passado.
Um conceito comum em história em quadrinhos é empregado aqui: o de que heróis e vilões podem ter sido amigos e algo os levou a direções opostas, o que M. Night Shyamalan fez muito bem em Corpo Fechado (Unbreakable, 2000). Peter e James Hook (ou Gancho, vivido por Garrett Hedlund, de Na Estrada, 2012) se aliam contra Barba Negra (abaixo) e, apesar da relutância do adulto, criam uma bela amizade. As ações de Hook tornam cada vez mais improvável uma mudança drástica de rumo, já que sabemos aonde ele tem que chegar. E, assim como em qualquer pré-continuação, sabemos que os personagens novos terão que sumir de alguma forma, o que pode criar outro problema.
Com um histórico de dirigir dramas pesados, como Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 2005) e Anna Karenina (2012), Joe Wright se arriscou na ação com Hanna (2011) e agora mergulhou na aventura. Com tantos efeitos especiais, e ainda com o uso do 3D, o diretor fica um pouco sem foco, e algumas cenas são até difíceis de entender. Para os atores, ele define um tom caricato, teatral, que constantemente soa forçado. Enquanto Hedlund parece sempre tentar ser um galã de segunda, daqueles canastrões, Jackman está freneticamente exagerado. Rooney Mara (de Ela, 2013), que vive a princesa da floresta, parece um bichinho acuado. E não nos esqueçamos da ridícula freira má do orfanato, interpretada por Kathy Burke (de O Espião Que Sabia Demais, 2011). Apenas o garoto Miller, praticamente um estreante, está seguro de maneira adequada. Amanda Seyfried (de Ted 2, 2015) quase entra muda e sai calada, e é exatamente isso que Cara Delevingne faz – indo das Cidades de Papel (Paper Towns, 2015) para o mar.
A história de vida de J.M. Barrie levou à realização de Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland, 2004), revelando a possível inspiração para seu personagem mais conhecido. E Peter já ganhou animações, longas, séries e desenhos de TV e até a imaginativa sequência Hook – A Volta do Capitão Gancho (1992), com Robin Williams no papel, em uma versão adulta. Só faltava mesmo uma prequel, e está na moda contar origens. Só que Fuchs misturou elementos de várias histórias de Barrie, inventou outros e não soube costurar.
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