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Mais uma possessão dá errado

por Caio Lírio

O que é preciso para levar ao público um filme de terror de sucesso? Bons efeitos visuais? Uma história inovadora e envolvente (muitas vezes vendida como fruto de acontecimentos reais)? Uma fotografia soturna, precisamente prejudicada pelo já famoso e exaustivamente utilizado formato “found-footage” (filmagens encontradas dando à produção falso aspecto de veracidade)?  Bom, em A Possessão do Mal (The Possession of Michael King, 2014), o diretor e roteirista estreante David Jung parece atirar para todos esses lados, mas em poucos momentos consegue acertar ou convencer, nos oferecendo um longa que, além de ser mais do mesmo, mergulha em clichês do gênero, como o título nacional já indica.

Na história, Michael King (Shane Johnson) é um documentarista extremamente cético, que não acredita em espiritismo, religião, muito menos em paranormalidade. Mas, com a morte trágica da sua esposa, Samantha (Cara Pifko), ele decide realizar seu novo projeto relacionado à busca da existência de forças ocultas e sobrenaturais. Michael, então, vai atrás de vários “especialistas” no assunto e ele mesmo se oferece como cobaia para diversos rituais pagãos na intenção de provar a todos que tudo aquilo não passa de mentiras. A coisa sai do controle (claro) quando aquilo que ele menos acredita acontece e uma força maligna se apodera do seu corpo, provocando graves consequências.

A princípio, o argumento é bastante interessante e renderia ao expectador uma história instigante, mesmo já tendo sendo vista em várias outras tramas. Um ateu convicto que não acredita em Deus ou qualquer força sobrenatural, mas que vai buscar respostas justamente na figura do demônio para superar a morte da esposa. Porém, parece que Jung não se deu ao trabalho nem de criar tensão ou fator surpresa. Ao invés de mostrar a gradual possessão de Michael ou simplesmente deixá-lo mais tempo em tela para entrevistar outros especialistas e, assim, mostrar pontos de vista interessantes entre opiniões de religiões diferentes sobre o assunto, logo no início, mal dá tempo pro público perceber se o protagonista foi realmente subjugado por algo ruim ou simplesmente está sob efeito das drogas utilizadas nos rituais macabros aos quais ele se submete.

Claro que a intenção não é dar uma aula sobre ateísmo ou ocultismo, mas uma mera desculpa para mostrar o documentarista gritando em frente às câmeras e se transformando num assassino em potencial. A partir daí, uma chuva de clichês recorrentes em filmes de possessão demoníaca aparece, o que diminui ainda mais a promessa de um filme inovador. Acordes altos surgem do nada para fazer os mais desavisados pularem de susto nas poltronas – um recurso barato e infelizmente ainda usado à exaustão e de maneira gratuita nessas projeções. O cineasta também não se dá ao trabalho nem de inovar nos movimentos de câmera para criar a tensão e suspense que todo filme de terror deve fornecer. Shane Johnson se mantém até convincente em mostrar a transformação física e psicológica de Michael, tendo em vista que está em quadro em quase todo o filme, mas não é suficiente para mascarar os defeitos do longa.

O que mais chama atenção negativamente na projeção – e que deveria ser um trunfo de renovação do gênero, tendo em vista que Michael é documentarista e, portanto, especialista na criação de imagens – é justamente a estética pseudo-documental que o filme deseja passar (e não consegue). Em alguns momentos, parece que o Jung esquece que o filme é feito pelas lentes e equipamentos de Michael, transformando tudo em uma produção convencional. São personagens que não indagam a presença das câmeras em momento algum, como se estivessem realmente encenando para elas (algo impossível no mundo real), além de takes e planos meticulosamente trabalhados para captar convenientemente o que se quer mostrar. Por que, por exemplo, mesmo no auge da sua possessão, o protagonista ainda se preocupa em filmar tudo o que acontece (inclusive empunhando a câmera na mão em tomadas subjetivas)? Tudo isso tira o fator surpresa, a estética suja, despretensiosa e caseira que filmes como A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999), que reinventou o formato depois da sua criação em Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust), em 1980, e Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007), que tornou isso tudo modinha, fizeram tão bem. Não foi dessa vez para Jung, que assim como Michael em boa parte do filme, faz muito barulho por nada.

“Michael não está, deixe seu recado após o bip”

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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