por Marcelo Seabra
Dois ótimos atores, um teatro vazio e um texto instigante. Isso é tudo que Roman Polanski precisou para fazer um filme interessante, de várias camadas. A Pele de Vênus (Venus in Fur, 2013) tem seu roteiro baseado numa peça de David Ives, que partiu do famoso livro de Leopold von Sacher-Masoch, trazendo para o presente a história do sujeito que inspirou a invenção do termo masoquismo. O diretor ainda trouxe aspectos autobiográficos para o texto, chegando ao cúmulo de usar um ator que lembra ele próprio e uma atriz que é ninguém menos que sua esposa.
Não é segredo que Mathieu Amalric (de O Grande Hotel Budapeste, 2014) tem um tipo físico estranho como Polanski e ainda se inspira nele para criar o personagem, um diretor de teatro à procura de sua protagonista. Ele precisa de uma mulher forte, de classe, e se queixa com a noiva, ao telefone, de que todas as atrizes testadas eram inadequadas. E as descreve praticamente chamando-as de vagabundas, colocando opiniões que o caracterizam como um babaca machista. Nisso, entra Emmanuelle Seigner (de Dentro de Casa, 2012), um furacão em cena que de cara causa um tumulto interno em Thomas. Vanda é aparentemente rude e sem modos, e chega tarde para sua audiência. Sem dar muita brecha para negativas, ela consegue fazer um trecho do diálogo com Thomas.
Com o roteiro escrito a quatro mãos, Polanski pôde fazer alterações e adições nos diálogos de Ives, colocando muita coisa pessoal. Algumas falas fazem parecer que ele está à frente das câmeras – e Amalric ajuda muito – e é possível perceber referência até ao arrastado caso de estupro que faz com que o cineasta continue sendo procurado em alguns países. Polanski primeiro estabelece as similaridades do personagem com ele para depois começar a brincar com isso, levando Thomas a caminhos inusitados na relação com Vanda. É como se ele brincasse com a impressão que as pessoas têm dele e usasse a peça de Ives (e o original) para levar as coisas a um outro nível de exagero.
O jogo entre os personagens já é apimentado o suficiente. Vanda faz questão de lembrar que o texto de Sacher-Masoch – e não de Lou Reed, como ela pergunta jocosamente – é decadente, datado, e aponta alguns de seus problemas morais. O fato da atriz ser esposa do diretor transforma a experiência quase que em voyeurismo, assistimos a uma longa discussão do casal. E Polanski é esperto o suficiente para inverter os papéis, como em seu longa anterior, Deus da Carnificina (Carnage, 2011), que tem muitas características em comum com A Pele de Vênus. A vítima logo toma o poder, como se atualizasse a história para os tempos mais igualitários em que vivemos – ao menos na teoria, infelizmente.
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