por Marcelo Seabra
Não é porque não fazia um longa de ficção desde 2007 que Jorge Furtado estava parado. Tendo lançado no ano passado o documentário Mercado de Notícias e Doce de Mãe para a TV, além do roteiro de Boa Sorte, a última coisa que ele faz é parar. Prova disso é que já está nos cinemas seu novo trabalho, o drama Real Beleza (2015), que ensaia uma discussão sobre o que é belo, mas prefere focar em seu protagonista e seus dilemas. Nem por isso erra o alvo, sendo provavelmente o trabalho mais sensível do diretor.
Entre roteiro e direção, Furtado costuma ser lembrado por comédias, como O Homem Que Copiava (2003), Meu Tio Matou Um Cara (2004) e Saneamento Básico, O Filme (2007). Mas, com Real Beleza, ele entra fundo na vida de João (Vladimir Brichta, da série Tapas & Beijos), um fotógrafo cuja carreira um dia promissora está estagnada. Ele coloca suas fichas na busca por uma menina que levantaria seu nome novamente. Para isso, visita diversas cidades do sul e fotografa todas as candidatas que aparecem, sempre à procura “daquela” beleza. Por algum motivo, nenhuma delas o cativa, até que aparece Maria (Vitória Strada), a adolescente aparentemente perfeita para a campanha que João fará.
O problema é que o pai da garota (Francisco Cuoco, de Doce de Mãe) é contra a ideia e uma liberação é necessária para que ela possa viajar. João vai até a casa distante onde a família mora e conhece a mãe, Anita (Adriana Esteves, atualmente em Babilônia), uma mulher madura e bonita que o atrai de cara. Partindo da questão da beleza de mãe e filha e da busca do fotógrafo, o filme prefere se aprofundar em seu protagonista. Não temos muitas informações sobre sua história, fora algumas migalhas, mas Furtado está mais preocupado com a cabeça de João, com o que se passa lá. Inicialmente muito focado na parte profissional, João vê sua vida pessoal virar do avesso.
Desde os criativos créditos iniciais, que se escondem atrás dos atores, o diretor mostra todo o seu domínio da câmera, com closes, enquadramentos e paisagens belíssimos. Há sempre uma escolha bem feita em cena, conduzindo o olhar do público como um bom fotógrafo deve fazer. O casal da vida real Brichta e Esteves tem uma ótima sintonia, promovendo uma química acertada para João e Anita. Até o geralmente canastrão Cuoco funciona bem, conferindo uma mistura interessante de força e fragilidade a um homem que deve ter sido bem másculo, mas está velho e debilitado. É seu Pedro e a biblioteca que ele mantém que servem de canal para Furtado poder homenagear algumas figuras ilustres, como Shakespeare, Jorge Luis Borges e Cartier-Bresson.
É bom, no meio de tanta bobagem lançada no Cinema Nacional, ver um trabalho sério, com personagens que tomam decisões inteligentes, e não apenas convenientes. Não há grandes eventos, apenas a vida seguindo seu rumo. A beleza da garota acaba por mudar as vidas de todos os envolvidos, e essa talvez seja a razão de ser do título: quando a beleza é real, ela transforma tudo ao seu redor.
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