John Boorman continua sua saga autobiográfica

por Marcelo Seabra

Em 1987, John Boorman escreveu e dirigiu Esperança e Glória (Hope and Glory), uma comédia de costumes com bastante teor autobiográfico. O longa nos apresentou ao pequeno Billy Rohan, um garoto inglês em plena Londres no início da Segunda Guerra. Agora, Boorman retomou a história dos Rohan, dez anos depois, e nos mostra Billy indo servir na Guerra da Coréia. O diretor mantém o mesmo bom gosto ao tratar tanto dos momentos engraçados quanto dos mais dramáticos, evitando os extremos. Rainha e País (Queen and Country, 2014) bem poderia ser o meio de uma trilogia, seria um prazer continuar acompanhando estes personagens.

É bom esclarecer que não é obrigatório ter assistido a Esperança e Glória para conferir esta nova história. É apenas recomendado, já que trata-se de uma obra tão agradável – e não necessariamente na ordem. Podemos ver várias rimas, como a imagem de Billy saindo do lago onde nada todos os dias. Um filme é a expansão do universo do outro sem que haja dependência entre eles. Dá para entender melhor, por exemplo, a irmã do protagonista, Dawn, ou o vizinho Mac. E até mesmo o porquê da família morar à beira do lago. E Boorman afirma se tratar da verdade, já que ele de fato passou por aquelas experiências, salvo algum exagero para fins dramáticos.

Já formado na escola, Billy (Callum Turner, de Os Bórgias) passa seus dias na expectativa de ser convocado para o serviço militar obrigatório, o que parece ser o destino de todo cidadão inglês, especialmente em época de guerra. Quando a cartinha chega, ele tem que deixar sua vida idílica nos arredores de Londres e ir para um acampamento militar, onde conhece Percy Hapgood (o exagerado Caleb Landry Jones, de X-Men: Primeira Classe, 2011). Juntos, os dois passam pelos dias de serviço militar dividindo alegrias e tristezas, e até garotas. Mas Billy fica fascinado pela misteriosa Ophelia (Tamsin Edgerton, de Toque de Mestre, 2013), que conhece em uma de suas folgas, e a estranha relação entre eles vai consumi-lo.

Usando os Rohan e seus amigos, Boorman aproveita para revisitar a vida naquela época e lugar e coloca suas memórias na tela. Em entrevista à Variety, ele diz que um dos motivos para tanta demora para uma sequência foi a preocupação dos advogados com possíveis processos das pessoas retratadas. Hoje, elas estariam mortas ou muito velhas para se importarem. Figuras de alta patente estariam nessa lista, como os personagens de David Thewlis (de A Teoria de Tudo, 2014) e Richard E. Grant (de Downton Abbey).

Tendo completado 82 anos em janeiro, o diretor, roteirista e produtor Boorman fala em se aposentar. A não ser que resolva filmar seu último projeto, Halfway House, que não tem ligação alguma com os Rohans. O que é uma pena, já que é pouco provável termos um longa com o adulto Billy entrando para o mundo do Cinema e fazendo a ponte para a parte da história que conhecemos. A do responsável por fiascos como Zardoz (1974) e O Exorcista II (1977), mas também por obras memoráveis como Amargo Pesadelo (1972) e Excalibur (1981).

Ao invés de se aposentar, Boorman poderia escrever a terceira parte

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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