por Marcelo Seabra
Lá se vão 70 anos do pronunciamento do coronel Emílio Rodrigues Franklin, da Força Expedicionária Brasileira, sobre a tomada de Monte Castelo, caminho para a estratégica Bolonha. Ele e outros 25 mil brasileiros se uniram aos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial contra os exércitos do Eixo. E são dois anos desde o Festival do Rio 2013, quando houve a primeira exibição de Estrada 47 (2013), longa nacional que reconta um episódio da participação dos nossos pracinhas no maior confronto bélico da história. Depois de muita luta, os produtores conseguiram assegurar uma distribuição comercial nacional, mesmo que em poucas salas.
Lembrado pelo elogiado documentário Soy Cuba, O Mamute Siberiano (2005), o diretor Vicente Ferraz saiu premiado mais uma vez do Festival de Gramado, com o Kikito de Ouro de Melhor Filme. Também responsável pelo roteiro, Ferraz traz luz para o fato de que os combatentes brasileiros enviados para o rigoroso inverno europeu eram despreparados tanto para as condições climáticas quanto para a batalha. Mesmo não sabendo exatamente o que fazer, eles tinham a noção de que lutavam do lado certo e buscavam fazer o melhor. Depois de muita pesquisa e entrevistas, Ferraz criou uma ficção inspirada por fatos que se preocupa mais com seus personagens que com o que está acontecendo ao redor. E a obra é tida como o primeiro filme de guerra nacional, o que não deixa de ser um marco.
Através de cartas escritas ao pai (contribuição do roteirista Paulo Lins), o engenheiro Guima (Daniel de Oliveira, de Boca, 2010) narra seus sentimentos e conflitos internos, comuns a diversos militares em situação parecida. Ele e outros três colegas fogem do pelotão após uma debandada geral e temem serem vistos como desertores. Como uma tentativa de consertar o erro, eles decidem liberar passagem em uma estrada importante cheia de minas explosivas, o que permitiria acesso dos americanos a um vilarejo italiano que pode ser dominado pelos alemães a qualquer momento. No meio da ação, o grupo encontra um desertor italiano (Sergio Rubini, de Que Estranho Chamar-se Federico, 2013) e outro alemão (Richard Sammel, de The Strain), ferido, e as relações entre eles vão sendo construídas e alteradas à medida que eles interagem e se conhecem melhor.
Os quatro protagonistas apresentam características bem nossas, o que os diferenciam bastante dos demais combatentes encontrados. Até um sambinha eles cantam em um momento mais delicado, quando bate a saudade de casa e o medo do futuro. O soldado nordestino apelidado de Piauí (Francisco Gaspar, de Caixa Preta, 2008) é muitas vezes o alívio cômico, funcionando com mais ou menos sucesso dependendo da hora, mas tem também um bom peso dramático. Thogun Teixeira (de 2 Coelhos, 2012) vive um carioca corajoso que precisa ser lembrado constantemente de tratar seu superior por Tenente (Júlio Andrade, de Não Pare na Pista, 2014), mesmo que ele seja o mais perdido de todos. O grupo ainda é reforçado pela chegada de um jornalista intrometido (Ivo Canelas, de Budapeste, 2009) que acaba participando da missão. O elenco afiado transmite bem a sensação de pânico que volta e meia insiste em bater, ainda mais acentuada pela bela e triste fotografia de Carlos Arango de Montis, que valoriza a neve e a amplitude dos cenários abertos, assim como a opressão dos lugares fechados.
Mesmo que em algum momento a estrutura e o tema possam trazer à mente Platoon (1986), ou qualquer outra produção estrangeira, Estrada 47 é um filme genuinamente brasileiro. Seus personagens são autênticos e a história contada diz respeito a nós diretamente, e alguns dos nossos veteranos devem estar satisfeitos pela luz jogada nesses fatos. Os que estavam na pré-estreia em BH, promovida por algum órgão do exército, pareciam muito orgulhosos, e reafirmaram estarem sempre à disposição da sociedade e da democracia. Em tempos de histeria coletiva nas ruas, é muito bom ouvir isso.
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