por Marcelo Seabra
Personagens doentes sempre atraem atenção em filmes e muita gente se sente compelida a apoiar a obra, sob pena de ser chamada de insensível ou desalmada. Mas a verdade é que é muito fácil errar a mão e partir para o melodrama irritante e irreal. Para Sempre Alice (Still Alice, 2014) é uma grata surpresa ao mostrar que sabe lidar com a doença e com a pessoa vitimada, sem apelar à emoção fácil. A protagonista frequentemente nos coloca na mesma perspectiva dela, nos fazendo ver como é duro perder aos poucos sua própria identidade. E ajuda muito ter uma ótima intérprete.
A premiada Julianne Moore (de Sem Escalas, 2014) faz a professora Alice Howland, uma sumidade na área da linguística que leciona na prestigiada Universidade de Columbia e tem uma vida realizada. Sua bela família e a bem sucedida carreira permitem que ela não tenha nada a reclamar, e seus objetivos profissionais continuam sendo atualizados de tempos em tempos. Mas Alice começa a ser surpreendida por esquecimentos bobos à primeira vista, e isso começa a acontecer com mais intensidade. Ela logo é diagnosticada como uma vítima precoce do mal de Alzheimer e tem ainda que lidar com a possibilidade de ter passado essa herança aos filhos.
Assim como visto em Amor (Amour, 2012), em que um idoso precisa lidar com o devastador derrame da esposa, Para Sempre Alice constrói um panorama bem crível e objetivo. Alice se definia em sua profissão e começa aí o primeiro questionamento que o filme levanta: a doença te transforma em outra pessoa? Você deixa de ser você? Ou Alice, como o título indica, será sempre Alice, independente de qualquer coisa? E o pior parece ser quando, nos momentos de lucidez, ela percebe o que está acontecendo e isto pesa ainda mais. Ela não quer ser um fardo para a família, e mais ainda: será que seria interessante continuar viva mesmo que sumindo aos poucos? Qual seria a atitude mais apropriada? O desespero que bate na personagem nesses momentos em que ela entende o que está havendo é tocante.
Toda essa sensibilidade seria desperdiçada se não houvesse uma atriz capaz de dar a Alice três dimensões. Julianne Moore, celebrada há anos como uma das melhores atrizes norte-americanas em atividade, traz uma verdade à professora que é louvável, não tendo problema algum em mostrar os momentos difíceis da doença, como na cena em que ela precisa de ajuda para se vestir. Aparecer descabelada é uma constante, mostrando não ter uma vaidade que a impediria de passar tanta honestidade. Seu talento sobressai quando ela aparece menos, evitando exageros ou apelações. O simpático canastrão Alec Baldwin não compromete, vivendo o marido ficcional de uma atriz oscarizada pelo segundo ano consecutivo (após Blue Jasmine, 2013). As celebridades Kate Bosworth (de Linha de Frente, 2013) e Kristen Stewart (de Acima das Nuvens, 2014) representam as filhas de Alice, e Hunter Parrish (de The Following) é o filho. Esses quatro personagens ajudam a dar mais profundidade ao problema da mãe e esposa, mostrando que a fatalidade pode acontecer bem perto de nós.
O casal de diretores e roteiristas independentes Richard Glatzer e Wash Westmoreland se incumbiu de escrever e conduzir a adaptação do livro da neurocientista Lisa Genova. Se o material original já trazia muita informação factual, o fato de Glatzer ser afetado pela esclerose lateral amiotrófica tornou o projeto ainda mais pessoal para eles. É a mesma doença do jogador de baseball Lou Gehrig e do cientista Stephen Hawking (retratado em A Teoria de Tudo, 2014). Assim como Alice, Glatzer luta bravamente contra a condição. Se podemos querer acreditar que algo de bom pode sair de uma tragédia, Para Sempre Alice é um ótimo e doloroso retrato de um futuro provável para boa parte da população. Estima-se que um em cada 85 indivíduos venha a sofrer desse tipo de demência nas próximas décadas. Por isso, uma obra simples e direta como esta é sempre bem-vinda.
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