Dennis Lehane volta ao Cinema com A Entrega

por Marcelo Seabra

Autor dos livros que deram origem tanto aos blockbusters Sobre Meninos e Lobos (Mystic River, 2003) e Ilha do Medo (Shutter Island, 2010) quanto a um filme mais discreto e igualmente interessante, Medo da Verdade (Gone Baby Gone, 2007), Dennis Lehane teve recentemente outra de suas histórias adaptada para o Cinema. O conto Animal Rescue virou A Entrega (The Drop, 2014), drama marcado por crimes, trapaças e gente desiludida e pronta a cometer atos extremos. E o roteiro foi escrito pelo próprio Lehane.

No papel principal, como o pacato atendente de bar Bob Saginowski, está o geralmente fortão Tom Hardy, mais lembrado como o Bane do terceiro Batman ou mesmo o lutador de Guerreiro (Warrior, 2011). Mais uma vez, ele prova ser capaz de muito mais que apenas dar socos e mostra que sabe dizer muito até quando está calado. Sua expressividade e a forma cuidadosa como constrói o personagem deixam claros que muitos prêmios o aguardam num futuro próximo. E é bom lembrar que este longa segue outro trabalho excepcional do ator, Locke (2013). Ou seja: não se trata de sorte, mas de movimentos bastante calculados.

O tal Bob trabalha todos os dias no bar administrado pelo primo Marv (o saudoso James Gandolfini, de O Homem da Máfia, 2012), mas o estabelecimento é na verdade da máfia local. O circuito dos bares é usado para fazer a distribuição de dinheiro sujo de forma discreta, a “entrega” do título, e a cada vez um deles é o escolhido. Duas situações vão tirar Bob de seu cotidiano maçante: um assalto ao bar e a chegada de um cachorro de estimação, que acaba o aproximando da sofrida Nadia (Noomi Rapace, de Sem Perdão, 2013 – acima). O outro papel de destaque ficou com Matthias Schoenaerts (de Ferrugem e Osso, 2012 – acima), amigo que protagonizou o primeiro filme do diretor Michaël R. Roskam, Rundskop (2011).

Em seu último trabalho na tela grande, Gandolfini passeia facilmente entre humores extremos. Ele pode ir de calmo a explosivo em segundos e certamente fará falta. O belga Schoenaerts também é uma força a ser reparada. Ele constrói um sujeito enigmático, que pode ser doido ou um criminoso barra pesada. Mas é Tom Hardy que chama a atenção, fugindo da maioria de seus trabalhos anteriores. Ao final, a única conclusão a que se pode chegar é que o texto de Lehane é um presente para qualquer ator, e que Hardy soube aproveitar a oportunidade como poucos poderiam. E Roskam, professor de Cinema em Bruxelas, faz muito bem a transição da teoria para a prática, evitando atrair o público com recursos artificiais. A história segue de forma bem natural, é enxuta e permite ao espectador pensar a respeito, indo além de um simples entretenimento escapista.

Hardy segue com boas escolhas e Gandolfini fará falta

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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