O novo Hobbit fecha a trilogia

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Em uma das primeiras cenas de O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (2001), Bilbo Baggins (Ian Holm) diz ao mago Gandalf (Ian McKellen) que, devido à ocasião de seu 111º aniversário, se sente “fino. Meio esticado, como manteiga sobre muito pão”. Ao final de O Hobbit – A Batalha dos Cinco Exércitos (The Hobbit: The Battle of the Five Armies, 2014), a sensação que se tem é bastante parecida. Ao transformar um livro de menos de 400 páginas em três longas com um total de quase 8 horas, os roteiristas Peter Jackson (que também assina a produção e a direção da trilogia), Fran Walsh, Philippa Boyens (ambas trabalharam ao lado de Jackson na trilogia O Senhor dos Anéis) e Guillermo del Toro (de Hellboy e The Strain) mostraram que já haviam dito tudo nos dois longas anteriores. Faltou história para preencher os 144 minutos da terceira parte da trilogia que mostra como Bilbo (Martin Freeman) encontrou o Um Anel, que caberá a seu sobrinho Frodo (Elijah Wood) destruir.

Não que O Hobbit – A Batalha dos Cinco Exércitos seja ruim. Muito pelo contrário, é um longa bem feito, tecnicamente quase impecável e que fecha quase todas as pontas deixadas nos primeiros filmes de maneira satisfatória. Mas fica bastante óbvio que havia pão demais para a manteiga disponível para o quarteto de roteiristas. O filme começa exatamente onde O Hobbit: A Desolação de Smaug (2013) termina. Depois de acordado por Bilbo na segunda parte da trilogia, o dragão Smaug (voz de Benedict Cumberbatch) espalha destruição pela Cidade do Lago. Enquanto o arqueiro pescador Bard (Luke Evans) confronta o monstro voador, parte da companhia de anões de Thorin Escudo-de-Carvalho (Richard Armitage) tenta se juntar a seu rei na montanha de Erebor, agora livre de Smaug, contando com a ajuda da elfa Tauriel (Evangeline Lilly). O grupo acaba se separando quando Legolas (Orlando Bloom) requisita a ajuda de Tauriel em outra missão. Os anões, assim, partem para a montanha e se juntam a Thorin em sua busca incessante pela Pedra Arken, ou a Pedra do Rei, uma jóia que é sua herança e legitima sua posição como governante dos anões.

A partir daí, a história, ainda que tenha diversas tramas paralelas, serve apenas de pretexto para o confronto do subtítulo. Inicialmente, tudo gira em torno de Thorin e sua obsessão pelo ouro escondido em Erebor e pela Pedra Arken, sendo sua posse o principal motivo para que tanto os sobreviventes da Cidade do Lago liderados por Bard quanto os elfos de Thranduil (Lee Pace) entrem em conflito com o rei anão. Paralelamente, há ainda a luta entre Gandalf, Galadriel (Cate Blanchet) Saruman (Christopher Lee) e Elrond (Hugo Weaving) contra o Necromancer/Sauron (também dublado por Cumberbatch). Como em um filme de super-heróis, todos os aparentes antagonistas – Thorin, Thranduil e Bard, além de Gandalf, Legolas e Tauriel, que retornam no momento exato – acabam encontrando a razão e se unindo quando o monstruoso exército de orcs, liderado por Azog (Manu Bennett, de Spartacus) aparece.

Com isso, é quase desnecessário dizer que boa parte do filme é tomada por cenas de ação. A própria batalha ocupa boa parte da película – de acordo com Peter Jackson, são 45 minutos – e todas as cenas de ação do filme são tecnicamente impecáveis. Já sua execução dramática deixa a desejar, pois mesmo com algumas surpresas aqui e ali, não há na grande batalha (nem nos confrontos menores que ocorrem paralelamente) aquela sensação de perigo iminente como mostrado pelo próprio Jackson na luta no Abismo de Helm em O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (2002), onde se temia pelo destino dos personagens a todo momento. Isso pode se dever, claro, ao fato desse ser um prelúdio e já termos visto muitos desses personagens em uma história localizada 60 anos no futuro, cronologicamente falando.

Além da parte técnica, os destaques aqui vão para a performance de Aidan Turner, o anão Kili, que tem mais tempo de tela, especialmente graças ao romance ensaiado com Tauriel. E o sempre genial Martin Freeman, uma escolha perfeita para viver o protagonista da trilogia – mesmo que no capítulo final sua importância fique em segundo plano, com Thorin assumindo os ares de protagonista. Apesar da “falta de manteiga”, pode-se considerar que a trilogia do Hobbit cumpriu bem o papel de mostrar a história do Um Anel e fazer uma ponte entra ela e O Senhor dos Anéis, ainda que ela pudesse ser contada tranquilamente em dois filmes. Ou mesmo um. Agora, é torcer para que Jackson tenha encerrado sua labuta junto à obra de Tolkien e não invente de levar O Silmarillion – o prelúdio de tudo o que foi visto nas duas trilogias – ao cinema.

Martin Freeman, parceiro de Cumberbatch em Sherlock, é o grande destaque

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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