Humor ácido permeia os Relatos Selvagens

por Marcelo Seabra

São sete os pecados capitais, mas apenas um interessa a Damián Szifrón: a ira. O diretor e roteirista argentino escreveu seis histórias que retratam situações em que os personagens são levados a atos extremos conduzidos pela raiva, motivada por várias razões. A costura dessas histórias é o longa Relatos Selvagens (Relatos Salvajes, 2014), pré-candidato ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro indicado pela Argentina que chega aos cinemas nacionais essa semana. O resultado não poderia ser mais atual, escancarando a estupidez que às vezes pode brotar de um cotidiano estressante ou de uma realidade massacrante.

Como não poderia deixar de ser, o elenco da produção conta com Ricardo Darín (de Tese Sobre um Homicídio, 2013), o provável mais famoso ator em atividade do país. O que não falta no filme é oportunidade para ótimos profissionais, já que são diversos protagonistas, cada um em seu trecho. É o caso de Darío Grandinetti, Oscar Martinez, Leonardo Sbaraglia, Erica Rivas e Julieta Zylberberg, para ficar em alguns exemplos. Todos se mostram muito competentes dentro do que é demandado e o time fica bem equilibrado, sem falhas ou destaques. Tudo funciona, o que demonstra o cuidado de Szifrón (abaixo) ao orquestrar essa turma.

Não vale a pena adiantar as tramas, para não estragar nada. Em todas elas, há um humor negro delicioso, que se alterna facilmente entre o riso rasgado e o tenso, aquele em que o público ri apesar do que parece que virá a seguir. As situações começam como possivelmente aconteceriam do lado de cá da tela grande, mas acabam tomando grandes proporções e virando algo absurdo. Vingança é o tema recorrente e, se o diretor defende uma tese, é a de que violência gera mais violência. Mas sem se levar muito a sério, já que ele escancara a falta de noção dos envolvidos. Usar humor é uma forma fantástica de fazer críticas, já que o resultado ao mesmo tempo é leve e faz pensar, além de envolver o público, que não pisca na maior parte do tempo. As risadas eram altas durante a sessão, para logo em seguida todos estarem apreensivos e o silêncio pairar.

A proposta de Szifrón era tão original e interessante que atraiu dois produtores ilustres, os irmãos espanhóis Agustín e Pedro Almodóvar, além do premiado compositor Gustavo Santaolalla (de Brokeback Mountain e Babel). A obra vem sendo ovacionada por onde é exibida e parece estar agradando tanto à crítica quanto ao público. Com menos de um mês em cartaz, já era o filme mais visto do ano na Argentina, batendo até blockbusters americanos. Além de Cannes, onde teve grande destaque, Relatos Selvagens participou de vários festivais e ainda pode se consagrar na noite de premiação da Academia. Claro que vamos torcer por Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), não por ufanismo puro e simples, mas por se tratar de um ótimo representante. De qualquer forma, Szifrón já é um vencedor.

A primeira história já estabelece o tom do filme

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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