por Marcelo Seabra
Apesar da trama de passar em um lixão do Rio de Janeiro, a produção dá a impressão de ser limpinha até no esgoto. Isso passa um pouco da visão romanceada que estrangeiros podem ter das nossas favelas, de que a vida lá chega até a ser divertida. O fio condutor é apropriado para o momento em que vivemos, envolve eleição e corrupção entre políticos e policiais. A fotografia, de Adriano Goldman, nos dá uma boa noção do espaço, uma área à beira mar onde todo aquele lixo é jogado e selecionado pelos moradores. E os pontos turísticos da cidade não aparecem, evitando imagens de cartão postal tão saturadas. Pode-se dizer que Trash é a resposta brasileira a Quem Quer Ser um Milionário? (Slumdog Millionaire, 2008), apenas com mais violência.
A história começa com José Ângelo (Wagner Moura, de Praia do Futuro, 2014), um faz tudo de um político corrupto que dá um belo desfalque em seu chefe. As evidências do esquema, que envolve pessoas e empresas importantes, se perdem quando o sujeito é capturado pela polícia. No entanto, os garotos do lixão encontram a carteira que levará à descoberta do caso todo. Um policial truculento (Selton Mello, de O Palhaço, 2011) fará o possível para acobertar o potencial escândalo, e os garotos só podem contar com dois estrangeiros: o padre Juilliard (Martin Sheen, o tio Ben dos novos Homem-Aranha) e a voluntária Olivia (Rooney Mara, de Terapia de Risco, 2013), que ensina inglês na favela. Nenhuma família é mencionada, eles só têm uns aos outros, e é essa amizade e a vontade de fazer a coisa certa que os conduz.
Daldry toma algumas decisões acertadas ao apresentar objetivamente os personagens e o lugar, e seu co-diretor, Christian Duurvoort, faz um ótimo trabalho de direção de atores com os adolescentes. Foi Duurvoort quem treinou os atores de Capitães da Areia (2011), filme que vem à cabeça durante a exibição de Trash. O uso da câmera em primeira pessoa é interessante, para que os personagens externem certos sentimentos e percepções, e é onde estão alguns dos momentos engraçados do filme. A missão de adaptar o livro de Andy Mulligan coube a Richard Curtis (que escreveu e dirigiu o ótimo Questão de Tempo, 2013), e Felipe Braga (de Cabeça a Prêmio, 2009) fez os acertos para que tudo casasse melhor com a nossa realidade e com a nossa língua.
Como foi filmado no Brasil, Trash não poderia ser diferente: traz um grande e respeitável elenco de apoio formado por gente como Nelson Xavier, Stepan Nercessian, Jesuíta Barbosa, Enrique Diaz, Leandro Firmino, Júlio Andrade, André Ramiro e José Dumont, todos em pequenas participações. A Mara e Sheen cabe o papel de ajudar a produção a conseguir financiamento e audiência fora do país, e seus personagens são bem formulaicos. Sheen, no entanto, é sempre uma presença forte e relevante. Em meio a tantos nomes famosos, quem domina Trash mesmo são os garotos, que mantêm o interesse do público por quase duas horas alternando momentos tensos, dramáticos e cômicos. Torçamos para que eles não sumam de vista.
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Pois é Marcelo, esperava mais do filme, que pra mim cai muito do meio para o final. Numa só palavra: frustração. Ela só não foi maior porque eu já passo a torcer o nariz para Stephen Daldry desde "Tão Forte e Tão Perto", que não me agradou nem um pouco. Como eu ressaltei quando escrevi sobre o filme: "Para o público brasileiro é um exercício interessante assistir “Trash”, pelo choque de culturas e por ver um diretor que aparentemente se envolveu com a locação de seu filme. Méritos também por ser um filme quase que totalmente falado em português, afinal é uma coprodução britânica. Mas é frustrante porque nada disso ajuda o filme."
http://cultcomentario.wordpress.com/2014/10/19/trash-a-esperanca-vem-do-lixo/
Abraço.
Realmente, Gustavo, o filme promete mais do que cumpre. Abraço!