por Marcelo Seabra
Uma mulher desaparece e seu marido inicia as buscas, ao lado dos pais dela e da polícia. Isso é tudo que você precisa saber sobre a história de Garota Exemplar (Gone Girl, 2014) para decidir enfrentar uma sessão. Ou basta saber que o diretor é David Fincher, o que já é suficiente para muitos, tamanha é a competência que o sujeito vem demonstrando. E o elenco, encabeçado por Ben Affleck e Rosamund Pike, está muito mais que adequado, com interpretações acertadamente sutis que demonstram muito sem precisar de palavras.
Com roteiro da própria autora do livro que serviu como base, Gillian Flynn, Fincher constrói seu filme de maneira a sabermos apenas o que é necessário, revelando pouco a cada minuto que passa. Calculadamente, ele faz o público mudar de opinião e de sentimento por cada personagem à medida que a história avança. Os longos 149 minutos passam rápido, como é costume na obra do cineasta. O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008), por exemplo, dura 166 minutos; Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo, 2011), 158; Zodíaco (Zodiac, 2007), 157; Clube da Luta (Fight Club, 1999), 139; A Rede Social (The Social Network, 2010) é menorzinho, com 120.
Ben Affleck, o novo Batman do Cinema, não é exatamente versátil, e tem algumas bolas fora em sua carreira. Mas tem escolhido seus trabalhos com cada vez mais sabedoria e, com orientações de bons diretores, têm dado seu melhor. Quando se dirigiu, inclusive, foi esperto o suficiente para escolher papéis adequados às suas possibilidades, e os resultados (Atração Perigosa, de 2010, e Argo, 2012) são bem interessantes. Sua colega de cena, Rosamund Pike, tem de tudo no currículo, de ação (Doom, 2005, e Substitutos, 2009) a dramas de época (O Libertino, 2004, e Orgulho e Preconceito, 2005), passando por 007 (Um Novo Dia para Morrer, 2002) e comédia (Heróis de Ressaca, 2013). Tamanha variedade de repertório deu à atriz tranquilidade para viver a complexa Amy.
Os demais nomes do elenco são tão competentes quanto os principais. Tyler Perry (de A Sombra do Inimigo, 2012 – acima, à direita) é tão canastrão quanto o advogado de semi-famosos que vive, e Neil Patrick Harris (de How I Met Your Mother – acima, à esquerda) faz um riquinho problemático como ninguém. Os policiais, interpretados por Kim Dickens (de Treme) e Patrick Fugit (de Compramos um Zoológico, 2011), a irmã do protagonista (Carrie Coon, de The Leftovers) e os pais da desaparecida (David Clennon e Lisa Banes) ajudam a compor o quadro, todos com sua importância para a trama. A parte técnica acompanha tamanha competência, com destaque para a fotografia de Jeff Cronenweth e a edição de Kirk Baxter, ambos de Millennium e Rede Social. Também desses dois filmes, Trent Reznor e Atticus Ross atingiram uma maturidade superior à apresentada anteriormente ao comporem uma trilha que não diz ao espectador o que virá, mas enriquece a cena.
Uma crítica muito acertada que Garota Exemplar faz diz respeito á mídia e, mais especificamente, à televisão. As pessoas formam opinião sem ter elementos em que se basear, apenas usando a emoção, as aparências e o senso comum. Isso é suficiente para condenar, expor, até manchar reputações. E a TV vem tendo um grave papel nessas execuções públicas, com a desculpa de dar ao povo o que o povo quer. É um círculo vicioso, já que esse tipo de programa acaba tendo audiência e alimenta mais esses julgamentos apressados e infundados. A opinião pública pode chegar a influenciar a polícia, que corre o risco de se precipitar apenas para atender a demanda da população.
Fincher é hábil ao construir o filme, conduzir seus atores, amarrar os talentos técnicos, fazer críticas e entreter. E ainda faz pensar no que foi visto por um bom tempo após o fim da exibição. Talvez por isso, o diretor venha conseguindo unir sucesso de crítica e bilheteria, e chama atenção para projetos também na TV. Seu próximo projeto é a já aguardada Utopia, versão americana para uma série britânica a ser produzida pela HBO. Veremos como o diretor se sai lidando com o sobrenatural.
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