Vilã Disney vira Angelina Jolie em releitura

por Marcelo Seabra

Aqueles que passaram a infância cercados por personagens Disney devem se lembrar bem de Malévola, uma bruxa de visual fantástico que amaldiçoa a pobre Aurora e a transforma na Bela Adormecida. O desenho não era dos mais interessantes do estúdio, ainda mais por ter uma heroína que só dorme, mas viram potencial na vilã, o suficiente para que ela ganhasse um longa só dela. Só, não exatamente, mas focado nela. Malévola (Maleficent, 2014) acabou sendo também um veículo para Angeline Jolie voltar a aparecer e ser o destaque indiscutível, de longe a melhor coisa no filme. Ela não dava as caras desde o fracasso retumbante de O Turista (The Tourist, 2010).

Desde os primórdios do Cinema, contos de fadas servem como inspiração. Mais recentemente, observamos um grande número de adaptações que tentam ser mais reais, pés no chão, gerando alguns constrangimentos, como A Garota da Capa Vermelha (Red Riding Hood, 2011), e a insossa dose dupla de Branca de Neve de 2012. Malévola busca o passado da personagem para explicar o porquê de sua maldade, desenvolvendo seu enredo em torno dos fatos já conhecidos – e até mudando-os. Ao querer explicar demais a gênese da personagem, a roteirista Linda Woolverton (de Alice no País das Maravilhas, 2010) pega todo o material pré-existente e cria contrapontos e justificativas para abrandar o comportamento de sua protagonista. Assim, até o nome dela deixa de ter razão para ser o que é.

O grande problema de se ter um vilão como protagonista é a necessidade óbvia de ter que criar alguma identificação com o público. Para isso, o sujeito, que deveria ser ruim até mandar parar, acaba virando uma vítima das circunstâncias, da vida ou dos que o cercam. Quem era para ser a maldade encarnada acaba virando um coitadinho, de quem sentimos até pena. Em O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008), o Coringa funciona tão bem talvez devido ao mistério que o cerca. Ele é uma força da natureza, isso é tudo o que sabemos. Na série Hannibal, o Dr. Lecter é um interessante contraponto ao agente do FBI que acompanha e em momento algum vira vítima. Pelo contrário, a admiração que o público tem deve-se à sua inteligência e sangue frio, algo meio masoquista. Dexter é outro que nos ensinou a torcer por uma figura extremamente problemática, nem de longe um herói.

À frente do elenco, Jolie encarna a diva traída, sempre linda e com uma expressão melancólica. Seu visual, assim como de todo o filme, é fantástico, compensando esteticamente os problemas de conteúdo. Sharlto Copley (de Elysium, 2013) é competente com o trabalho que lhe é designado. Mas a jornada de seu personagem é apressada e tudo parece pré-combinado, como se de fato um roteiro regesse sua vida e fosse necessário passar por certos pontos. Elle Fanning (de Ginger & Rosa, 2012), bem crescida, é pura luz como a princesa que se contrapõe às sombras de Malévola. Como acontece com Copley, Fanning também fica presa à pressa do texto, que parece só se importar com a protagonista. Entre os demais nomes, identificamos facilmente Sam Riley (de Control, 2007), como o pássaro que assume diversas outras formas, e Imelda Staunton (de A Garota, 2012) e Juno Temple (de Lovelace, 2013) como duas das fadas que cuidam de Aurora. A falta de experiência do diretor, o técnico de efeitos visuais Robert Stromberg, fica clara na confusão de sequências que não entendemos e na falta total de noção de como criar suspense ou expectativa, entregando logo um final para poder encerrar a sessão.

Não que não tenha muita coisa interessante ali. Como já vinha acontecendo em obras como Enrolados (Tangled, 2010) e Valente (Brave, 2012) e tem em Frozen (2013) o ponto alto, o papel da mulher tem crescido, ela deixa de ser uma mocinha em perigo para ter participação ativa na trama. E o conto de fadas tradicional é pervertido (no bom sentido), deixando por terra algumas ideias machistas e formulaicas. Isso também acontece em Malévola, com personagens de caráter duvidoso, que podem mudar de posição moral, incluindo aí até a fada do título. Mas a fraqueza do longa também está aí: como as obras anteriores já indicaram um novo caminho a se seguir, o esperado é que este novo projeto iria mais longe, mas ele não passa de requentar algumas ideias já vistas nas animações citadas.

A irmãzinha de Dakota Fanning é linda e talentosa

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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