por Marcelo Seabra
Já há três semanas em cartaz no Brasil, depois de uma bela estreia na Mostra Panorama do Festival de Berlim em fevereiro, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) segue na lista das maiores bilheterias no país. A propaganda boca a boca parece ser o maior incentivo, levando um grande público para as salas, além de todos que haviam assistido ao curta e não pensaram duas vezes para conferirem a versão mais comprida.
Em 2010, o diretor e roteirista Daniel Ribeiro lançou Eu Não Quero Voltar Sozinho, um curta-metragem que fazia parte de um programa de exibições em escolas para a discussão de temas importantes e polêmicos, o Cine Educação. Depois de muito tempo levantando verba, ele conseguiu criar a versão em longa-metragem, que parte do mesmo universo e personagens. Sem perder a simpatia e a simplicidade, o filme não se presta apenas a esticar as ideias, ele permite a Ribeiro criar mais e desenvolver melhor as situações. O curta é facilmente encontrado na internet, para quem quiser conferir.
Os mesmos atores do curta protagonizam o longa, apenas um pouco mais velhos. Ghilherme Lobo é Leonardo, um adolescente cego que passa pelos mesmos apuros que todo menino nessa idade. Sua melhor amiga, Giovana (Tess Amorim), está sempre perto para dar apoio e até guiá-lo, o que diminui um pouco a preocupação dos pais, excessivamente zelosos devido à deficiência do filho. A relação dos dois é estremecida com a chegada de um terceiro elemento, Gabriel (Fábio Audi), que logo se enturma com a dupla e passa a atrair mais a atenção de Leo, deixando Giovana um pouco de lado. A química entre os três atores é tal que acreditamos facilmente naquela dinâmica. E assusta ver Lobo dando entrevistas para a TV e perceber que ele não é de fato cego, tamanha é a sua competência na composição do personagem.
Como os bons filmes que retratam a adolescência (como o recente As Vantagens de Ser Invisível), Hoje Eu Quero Sair Sozinho não se preocupa em criar tensões bobas, dramalhões desnecessários ou mesmo vilões, como pais incompreensivos ou colegas desmedidamente maus. A sensibilidade está em extrair o melhor do dia a dia deles, que não passam de jovens normais, com problemas e dúvidas normais. Os diálogos são naturais, as relações entre eles crescem gradativamente, há um cuidado de dar profundidade aos envolvidos. Cuidado, inclusive, é uma palavra-chave aqui, pois temos a constante impressão de que tudo foi bem pensado, até os detalhes, o que coloca o trabalho de Ribeiro e equipe em um outro nível.
Ao sair da sessão, em um cinema tradicionalmente voltado a filmes independentes e ditos “de arte”, me surpreendi com o comentário de um senhor. Com tamanha naturalidade, parecendo um velho amigo, ele diz que não gostou do filme e que não esperava “aquilo”. A decepção desse senhor estava claramente ligada aos elementos homossexuais tratados, o que é mais um exemplo da intolerância que, em pleno 2014, está mais presente do que gostamos de reconhecer. Todos os méritos do filme são desconsiderados para que se foque na orientação sexual do personagem principal e se use isso para desmerecer a obra, o que não poderia ser mais estúpido. E não se trata de um filme gay, ou feito para o público gay. Apenas retrata conflitos românticos e descobertas pelos quais todos, em algum momento, passamos, cada um com suas especificidades. Seja o sujeito heterossexual, homossexual, azul ou amarelo.
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