por Marcelo Seabra
Na década de 80, a AIDS ainda era tida como a doença que matava gays, e as vítimas do vírus HIV eram discriminadas e tidas como párias. Imagine ser heterossexual, fazer parte dessa turma preconceituosa e se descobrir portador? Foi o que aconteceu com Ronald Woodroof, um americano cuja história chega agora aos cinemas nacionais. Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013) tem como principal trunfo o trabalho de seu protagonista, o ótimo Matthew McConaughey, que cria uma bela jornada que consegue não parecer forçada ou fantasiosa em uma das melhores atuações de uma carreira que vem se mostrando brilhante.
A partir de O Poder e a Lei (The Lincoln Lawyer, 2011), McConaughey parece ter acordado para as escolhas que vinha fazendo e deixou de lado aquelas comédias românticas duvidosas. Em vários momentos passados, ele demonstrou ser um bom ator e fez alguns filmes bem interessantes, como Tempo de Matar (A Time to Kill, 1996) e A Mão do Diabo (Frailty, 2001). Agora, a série de acertos parece ter vindo pra ficar, o que pode ser notado até na TV, com True Detective. Sempre lembrado pelo forte sotaque, ele volta a viver um texano, mas nem por isso seu talento pode ser menosprezado. E a perda de peso é impressionante!
Woodroof é apresentado como um sujeito intolerante, machista e brigão, que divide seu tempo entre assistir a rodeios e trocar de parceiras sexuais. Por pouco, descobrimos que ele trabalha como eletricista, mas logo no início da projeção, já bem debilitado, ele se descobre infectado com o vírus HIV. Como a informações não eram bem difundidas, ele corre atrás de algo a mais além do diagnóstico recebido. Os médicos lhe deram mais 30 dias de vida. Aí, começa uma certa transformação, já que Woodroof se vê em uma situação bem diferente. Seus amigos já não o toleram, ele agora é o excluído. Esse novo papel social o faz repensar algumas atitudes, enquanto ele pesquisa a respeito de remédios que poderiam dar um prazo maior, talvez até com mais qualidade de vida.
Outro destaque de Clube de Compras Dallas é Jared Leto (acima). Lembrado por obras como Clube da Luta (Fight Club, 1999), Réquiem para um Sonho (Requiem for a Dream, 2000) e O Senhor das Armas (Lord of War, 2005), ele andava sumido das telas por se dedicar à sua outra ocupação: a de vocalista, guitarrista e compositor da banda 30 Seconds to Mars. A volta à sétima arte se deu com o papel de um travesti que também luta pela sobrevivência, a última figura que se imaginaria ver ao lado de Woodroof. Num misto de sensibilidade e força, Leto constrói um personagem interessante, fugindo da maioria dos estereótipos que vemos por aí. É provável que a dobradinha dos Globos de Ouro se repita e McConaughey e Leto fiquem com as estatuetas carecas no próximo domingo. Outros nomes mais famosos do elenco são os de Jennifer Garner (de Juno, 2007), numa apagada participação como médica de Woodroof, e Griffin Dunne (de Depois de Horas, 1985), irreconhecível como o médico sem licença que fornece os remédios contrabandeados.
Como acontece com vários longas baseados em fatos, algumas passagens parecem um pouco corridas, já que o período abarcado é longo e saltos são necessários. Talvez, pelo fato do roteiro ter passado em tantas mãos, com diretores e atores diferentes envolvidos, certas passagens não fiquem tão claras. Liberdades criativas eram esperadas, claro, já que a obra não tem um compromisso de ser um retrato fiel da realidade. Mesmo assim, a dupla Melisa Wallack e Craig Borten também foi indicada ao Oscar, sendo esta uma das seis categorias em que o filme foi lembrado. O diretor Jean-Marc Vallée (de A Jovem Rainha Victoria, 2009) resiste bravamente à tentação de partir para a pieguice, e só chega perto das convenções de costume quando sugere um interesse romântico para Woodroof. Felizmente, o foco permanece nesse rico personagem e em sua jornada.
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