Best Seller da Segunda Guerra ganha adaptação

por Marcelo Seabra

A Segunda Guerra Mundial continua sendo o mote para várias histórias, boas ou ruins. Uma dessas, A Menina Que Roubava Livros (The Book Thief), se tornou um best seller e projetou o nome de seu autor, Markus Zusak, para fora de sua Austrália natal. Era questão de tempo até que o livro ganhasse as telas, e já está em cartaz. Mas, como aconteceu com outro fenômeno de vendas da literatura, O Caçador de Pipas (The Kite Runner), a adaptação não saiu à altura do barulho causado e tende a passar batida pelas salas, decepcionando os muitos fãs que Zusak já conquistou.

O primeiro motivo aparente para tamanho fracasso é a escolha do apagado e inexperiente Brian Percival para a direção. Responsável por vários filmes e séries para a TV, Percival parece não ter dimensão do que é fazer Cinema, se limitando a focar nos diálogos de seu competente elenco e se perdendo quando algo mais se faz necessário. Uma trama com extremo potencial lacrimejante, algo como O Menino do Pijama Listrado (The Boy in the Striped Pyjamas, 2008), acaba sendo apenas bonitinha, num formato mais apropriado para um público bem mais novo. E, claro, não é por ser protagonizado por crianças que o filme precisava ser infantil. Em mãos mais experientes, teria tido muito mais drama e suspense. E não ajuda nada ter o roteirista de O Ritual (The Rite, 2011), Michael Petroni.

Depois que chamou a atenção em O Que Traz Boas Novas (Monsieur Lazhar, 2011), a canadense Sophie Nélisse foi convocada para viver Liesel Meminger, a garota que não sabia ler e, tão logo resolve esse problema, passa a ter uma grande atração por livros. É interessante ressaltar o período retratado, o fim da década de 1930, quando o Partido Nacional Socialista está no poder na Alemanha e seu desvairado Führer resolve atacar a Polônia, evento indicado como o início da Segunda Grande Guerra. Uma das políticas nazistas era erradicar livros (e qualquer outra forma de arte) estrangeiros, num ufanismo desmedido que visava a dominação da mente das pessoas. Mas a pequena Liesel é corajosa e encontra meios de continuar suas leituras, mesmo que precise roubá-los.

Narrada pela própria Morte, a história começa quando Liesel é deixada pela mãe biológica, uma possível comunista fugitiva, no lar de um casal alemão puro sangue que espera receber uma pensão do governo pelo ato de bondade. Se num primeiro momento ela se mostra arredia, logo ela se solta e seu relacionamento com os novos pais melhora, e ajuda conhecer um garoto da vizinhança que passa a ser seu companheiro constante de aventuras. Os dois adultos principais ficam a cargo de  Geoffrey Rush (de O Discurso do Rei, 2010) e Emily Watson (de Cavalo de Guerra, 2011), atores que até sem fazer qualquer esforço são ótimos. O garoto Nico Liersch, que vive o vizinho Rudy, faz um belo par com Nélisse, e são esses quatro que salvam a produção da mesmice do filme da semana da TV a cabo.

Em vários momentos, a sensação de oportunidade perdida é palpável. Personagens são mal aproveitados, possibilidades de levar certa tensão ao público são apressadas e dão em nada. O resultado não consegue ultrapassar a barreira do insosso, e Zusak vai precisar de mais sorte na adaptação de seu próximo livro. Talvez com Eu Sou o Mensageiro, se acontecer. Quem diria que nem o maestro John Williams estaria em seus melhores dias, e mesmo assim conseguiu a única indicação do longa ao Oscar 2014?

E assim começa a “carreira” da ladra

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Boa critica Marcelo,só acho que poderia inventar um sistema de classificação, daria um maior dinamismo na sua opinião.

    • Leonardo, obrigado pela visita - e pelo comentário. O problema das estrelas é que elas reduzem o filme a uma nota, colocando obras diversas nos mesmos grupos simplistas.
      O texto é mais longo que estrelas, mas embasa melhor e dá uma ideia do que o crítico viu. Dá mais trabalho pra quem escreve e pra quem lê, mas é muito mais prazeroso e completo.
      Abraço!

  • Sua crítica foi fantástica. Exatamente a percepção que tive. Adorei o livro e senti que a adaptação realmente ficou meio infantil demais.
    Na obra escrita, quase todo tempo você tem a sensação de tristeza, de drama, de que algo ruim vai acontecer. No filme, tudo simplesmente acontece.

    Não sou daquelas pessoas exigentes, que esperam no filme a cópia exata do livro. Sempre busco ver com olhos diferentes. Porém é inevitável a comparação.

    Uma adaptação que achei incrível (com estória muito parecida) foi o PIANISTA. Esse sim, quando assisti, me passou a mesma sensação ao lê-lo.

    Obs.: Adoro ler suas críticas. Sou fiel ao seu blog desde o começo. As vezes não concordo com certos comentários, o que é normal (cada um tem uma opinião). Mas sempre quando estou na dúvida de um filme, corro aqui para ver a crítica.
    Obrigado! hehe

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