Jobs de Kutcher fica no óbvio

por Marcelo Seabra

Ficar marcado como um eterno adolescente burro como uma porta não pode fazer bem para a carreira de um ator. Depois do fim da engraçada série That 70’s Show (1998-2006), Ashton Kutcher vem tentando se encontrar e provar para o mundo que é capaz de uma atuação boa e séria. Se depender de Jobs (jOBS, 2013), continua devendo. Ele no máximo consegue imitar bem os maneirismos de Steve Jobs, o gênio criativo e administrativo por trás da Apple. E o filme até parece se maravilhar com essas imitações, tamanho é o tempo gasto no ator em momentos não exatamente marcantes.

A primeira pretensão do roteiro negativamente convencional do estreante Mark Whiteley é desmitificar o homem. Para isso, mostra-se bastante o lado negativo de Jobs, como a forma que ele trata a namorada e colegas e até a exploração do trabalho do amigo Steve Wozniak (Josh Gad, de Amor e Outras Drogas, 2010). O paradoxo é que, ao mesmo tempo, a aura de gênio é tão grande que parece desculpar estes comportamentos estúpidos. Whiteley não decide se quer criticar ou aplaudir, ficando num meio termo indefinido para logo assumir a adoração cega. Alguns aspectos da vida pessoal do personagem são mencionados, mas só o suficiente para deixar o público confuso – como a relação dele com a filha, que anda a passos largos e não acompanhamos.

Kutcher brigou muito pelo papel, mesmo tendo muito mais gente adequada por aí. Não só mais competente, mas mais parecidos até, já que não é o caso do ator. Ele via no projeto uma grande oportunidade de se provar. Kutcher deve ser cego às suas próprias limitações. No fim, é apenas um comediante exercendo seu poder de observação, repetindo a casca de Jobs com uma interpretação fria, distante e calculada. E o público americano ainda vê Kutcher como Michael Kelso (de That 70’s) e tem na TV as novas (e ruins) temporadas de Two and a Half Men, na qual ele entrou na “vaga” de Charlie Sheen. Ou seja: ninguém acreditava realmente que isso daria certo. Na pior das hipóteses, o diretor Joshua Michael Stern (que estreou na função com o fraco O Segredo de Neverwas, de 2005, que também escreveu) sabia que chamaria a atenção para o projeto tendo o ator a bordo.

Apesar de as produções para a televisão estarem cada vez melhores, com muitas fazendo frente ao Cinema, não é exatamente um elogio dizer que um longa tem cara de filme para a TV. E é exatamente assim que Jobs pode ser descrito. Tudo muito certinho e episódico, como se Whiteley e Stern tivessem listado os grandes momentos de Steve Jobs para delimitarem o que entraria no filme. E isso é feito de forma pouco natural, pulando entre os eventos. O fato de a câmera sempre seguir Kutcher, como se estivesse reverenciando Jobs, chega a irritar, e deixa os bons coadjuvantes para escanteio. Gente como Dermot Mulroney (de Segredos de Sangue, 2013), James Woods (de Ray Donovan), Matthew Modine (de Batman Ressurge, 2012), J.K. Simmons (de Os Escolhidos, 2013) e Gad só entra para compor, já que a produção mal apresenta seu protagonista, o que dizer dos vários outros personagens. Vamos aguardar o próximo projeto sobre Jobs e torcer por algo melhor.

Eis o verdadeiro Jobs, imitado por Kutcher

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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