O Cavaleiro Solitário revisita o Velho Oeste

por Marcelo Seabra

Quando um filme vai mal nas bilheterias no exterior, já chega por aqui com má fama. Como se o simples fato de ter levado (relativamente) poucos americanos aos cinemas atestasse a ruindade da obra. No ano passado, o grande fracasso sob esse ponto de vista financeiro foi John Carter, que deu um belo prejuízo à Disney, a mesma que agora amarga a fraca estreia de O Cavaleiro Solitário (The Lone Ranger, 2013), longa baseado em um personagem antigo, que hoje não tem apelo algum junto ao público, e que ainda é confundido com o Zorro, para piorar. Para ser justo, é preciso esclarecer que não se trata de um filme ruim: é uma aventura mediana que pode encontrar seu público. Apenas não conseguirá empatar seu orçamento megalomaníaco, na casa de US$ 250 milhões.

O personagem surgiu no rádio, em 1933, e logo ganhou livros e até um programa de televisão. Ele supostamente foi inspirado no policial federal Bass Reeves, que cuidava de territórios indígenas no final do século XIX. Com o tempo, ele foi ganhando características marcantes até chegar ao que temos hoje: um justiceiro mascarado chamado John Reid que combate o crime no velho oeste montado em um belo cavalo branco, chamado Silver, acompanhado pelo fiel amigo Tonto. O marcante tema musical é parte da ópera Guilherme Tell, de  Gioachino Rossini. Curiosamente, os mesmos George Trendle e Fran Striker, criadores do Cavaleiro, são também responsáveis por Britt Reid, ou o Besouro Verde, e estabeleceram que Dan Reid Jr., sobrinho de John Reid, seria o pai de Britt.

Para o renascimento do personagem no Cinema, o superprodutor Jerry Bruckheimer chamou seu parceiro Gore Verbinski, com quem trabalhou na bem sucedida série Piratas do Caribe, e vieram também os mesmos roteiristas, Ted Elliot e Terry Rossio, com a adição de Justin Haythe (de O Acordo, 2013). A ideia, claro, era repetir a arrecadação milionária das crônicas do pirata Jack Sparrow, e nada melhor do que chamar o próprio para estrelar. Johnny Depp, então, entrou a bordo para viver Tonto, quase roubando os holofotes do protagonista, que ficou a cargo de Armie Hammer, mais lembrado como os gêmeos de A Rede Social (The Social Network, 2010) ou como o escudeiro de Hoover em J. Edgar (2011). Fica a dúvida: se o cavaleiro tem sempre o índio ao lado, como ele pode ser solitário?

O John Reid de Hammer é um advogado pacifista  que volta à sua cidadezinha natal, no meio da poeira do Texas de 1869, e se vê no olho do furacão. Os policiais federais (chamados de Rangers) se preparavam para escoltar o perigoso Butch Cavendish (William Fichtner, de O Cavaleiro das Trevas, 2008) e o índio Tonto (Depp) à forca. Dan Reid (James Badge Dale, de Homem de Ferro 3, 2013), irmão de John, é um deles e o recruta para a missão. Paralelamente, acompanhamos a construção de ferrovia, projeto encabeçado pelo poderoso Cole (Tom Wilkinson, de Missão Impossível 4, 2011), e conhecemos Rebecca Reid (Ruth Wilson, de Anna Karenina, 2012), a esposa de Dan. As circunstâncias fazem com que John se associe a Tonto, e ele passa a usar uma máscara para esconder sua identidade e fazer justiça. O elenco é reforçado por Helena Bonham Carter (de Os Miseráveis, 2012), como a prostituta-mor, e Barry Pepper (de Bravura Indômita, 2010), que vive o capitão da cavalaria. Quando Wilson, a típica mocinha em perigo, está em cena, é impossível não encarar aqueles lábios ridículos (ao lado).

Como, o tempo todo, o Tonto velhinho está contando a história a um garoto em 1933, tudo pode ser invenção. E interromper frequentemente o desenrolar da ação para voltar nesses dois se torna algo bem irritante. O roteiro trata John Reid como um sujeito mais bobo do que deveria, e ele é sempre alvo das piadas de Tonto. A dupla é responsável por várias sequências engraçadas, algumas delas além da medida por caracterizar Reid como um paspalho. A maior parte da ação também é com eles, claro, e é aí que está o maior exagero. Apesar da ausência de invenções ou superpoderes, a obra lembra o clima de As Loucas Aventuras de James West (Wild Wild West, 1999) e Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros (AL: Vampire Hunter, 2012), e não dá para evitar a comparação com os dois longas de Zorro com Antonio Banderas, situados em um universo parecido. Os dois personagens inclusive costumam ser confundidos.

Apesar das falhas, da longa duração e do roteiro extremamente convencional e formulaico, O Cavaleiro Solitário não deixa de ser um passatempo divertido, com uma bela trilha de Hans Zimmer e boas atuações. Fica a sensação de que os envolvidos se consideravam em um jogo ganho, atraindo espectadores com a presença de Depp e gastando horrores com cenas espetaculares de explosões e perseguições. Faltou alma, um desenvolvimento minimamente razoável para os personagens – principalmente Reid – e um pouquinho de coragem para fugir de esquemas pré-concebidos. Verbinski visitou o velho oeste com um resultado melhor na animação Rango (2011), onde ele partia de homenagens ao gênero para criar uma história criativa e cativante. E dificilmente poderemos esperar uma abordagem melhor numa continuação, já que um prejuízo esperado de US$ 150 milhões enterra de vez essa hipótese.

Tonto leva um papo com Silver

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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