Heloísa Perissé é o tio Patinhas brasileiro

por Marcelo Seabra

Charles Dickens publicou seu clássico Um Conto de Natal em dezembro de 1843 e, desde então, inúmeras adaptações, assumidas como tal ou não, já ganharam as telas. O velho Ebenezer Scrooge é tão marcante que virou sinônimo de sovina e mal humorado, e deu origem ao tio Patinhas da Disney. Pois agora temos uma versão nacional de Scrooge: a personagem de Heloísa Perissé em Odeio o Dia dos Namorados (2013). Trata-se de mais uma comédia da famigerada dupla Roberto Santucci e Paulo Cursino, diretor e roteirista dos sucessos de público e fracassos de crítica De Pernas pro Ar 1 e 2 (2010 e 2012) e Até que a Sorte os Separe (2012). Como pode-se perceber, um ritmo de produção intenso.

Mais uma vez, a protagonista é uma publicitária viciada em trabalho que tem problemas em sua vida pessoal por não conseguir dosar as coisas (como em De Pernas). No caso dessa Débora de Perissé, ela praticamente não tem vida pessoal nenhuma, tamanha é a sua dedicação à agência. E ninguém aguentaria muito tempo perto dela, já que o roteiro faz questão de taxá-la de insuportável, grossa e todos os defeitos mais que pudermos pensar. E ela sempre foi assim, como podemos conferir na versão mais jovem. E essa personalidade chata (nos dois sentidos) é o principal defeito do longa, entre tantos. Perissé compõe uma mulher sem a mínima graça ou apelo, tornando difícil aceitar que alguém pudesse amá-la.

Quando conhecemos Débora, há 15 anos atrás, ela está em um imbróglio romântico (que prevê um famoso pedido de casamento que virou mania pelo mundo) com o Heitor de Daniel Boaventura. Pulamos no tempo e ela, agora poderosa na agência, pisa em todos apenas porque pode. Numa daquelas jogadas de Cinema, num acidente de carro bem feito, ela revê o amigo falecido Gilberto (Marcelo Saback), que serve como guia por vários momentos da vida da moça para provar a ela o quanto sua vida é terrível e que ela precisa mudar de atitude urgentemente. É então que cabem várias piadas com os vergonhosos anos 80, quando as roupas e cabelos eram ridículos e os Menudos faziam grande sucesso entre a rapaziada. Todas são devidamente explicadas, caso o público seja mais novo e não capte. Isso, inclusive, é recorrente no roteiro: os diálogos são bastante expositivos. Santucci e Cursino estão longe de acreditar em seus espectadores.

Para a sorte de Perissé, parte do elenco foi bem escolhida e alguns atores se mostram bem à vontade, mesmo quando a tarefa não é das melhores. Daniel Boaventura, por exemplo, desperdiça seu carisma em um herói bobinho e faz o que pode com o pouco que lhe cabe. Já Saback, como o espírito gay, mantém a compostura e se diverte com tiradas inspiradas e um humor ferino. Danielle Winits e MV Bill, no núcleo “delegacia”, conseguem arrancar uns risos, e até o usualmente chatinho André Mattos consegue se sair bem com seus dois minutos em cena. Fernando Caruso, com aqueles olhos esbugalhados, nem precisa falar nada para ser engraçado. E a eterna “Confissões de Adolescente” Daniele Valente, que já mostrou sua falta de talento na TV, comprova o que já sabíamos no Cinema.

Devido aos bons momentos ocasionais e à disposição do elenco de entrar de cabeça nas roubadas que o texto propõe, Odeio o Dia dos Namorados consegue ser melhor que os trabalhos anteriores da dupla de criadores. Se De Pernas 2 e Até que a Sorte foram campeões de público, imagine o estrago que este poderá fazer a partir desta sexta. O resultado é bem mais simpático que, inclusive, outras comédias nacionais que andaram envergonhando por aí, como aquele Agamenon (2011) horroroso e o besta E Aí, Comeu? (2012). Será que isso significa que Santucci e Cursino podem ter começado a ter um pouco mais de critério? Acho difícil, mas esperemos pelas cenas do próximo capítulo.

O elenco principal dá a cara a tapa

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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