Somos Tão Jovens merece continuação

por Orozimbo Souza Júnior

Fãs da banda Legião Urbana, iguais a mim, são pessoas chatas, exigentes, possessivas, etc. Nunca se dão por satisfeitos quando o assunto envolve o grupo musical que, de Brasília, ganhou projeção nacional e internacional. Para os “legionários”, vale aquela frase de uma das músicas mais famosas do conjunto: “O que é demais nunca é o bastante”. E é com esse sentimento que muitos estão após assistirem ao filme Somos Tão Jovens (2013), que faz um recorte da trajetória dos músicos nos primeiros de carreira, lá pelos idos de final dos anos 70, início dos 80.

“O filme é muito bom, mas eu esperava mais”, é uma frase recorrente nesses primeiros dias de exibição do longa que já bateu a casa de um milhão de espectadores. De fato, a produção tem muitos pontos a serem destacados, a começar pela atuação de Thiago Mendonça (ao lado), que interpreta Renato Russo. O ator dá show (sem trocadilhos). Há, ainda, vários momentos emocionantes no filme, os quais evito antecipar para não estragar a graça de quem ainda não assistiu. Os que têm algum conhecimento sobre o que acontecia na cena musical brasiliense daquela época sabem que há muitas e ricas histórias a serem exploradas. Por isso, o “gosto de quero mais” é reforçado.

Por outro lado, ao fazermos um exercício de imaginação, é possível entender a dificuldade em se fazer um recorte de poucas horas sobre anos tão ricos em história. Seguramente, os produtores e roteiristas do filme tiveram muito trabalho para retratarem o máximo de fatos. Um exemplo é a “condensação” de várias amigas e namoradas de Renato Russo em uma única pessoa. Gente próxima ao cantor diz que a personagem Aninha (Laila Zaid) fez o papel de umas cinco garotas que conviveram com o líder da banda.

Então, como saciar o desejo de “quero mais” dos milhões de fãs? Uma simples e óbvia sugestão é que o longa tenha continuação. Há muito o que se explorar entre os anos de 1985 (quando a banda estourou no cenário musical brasileiro) e 1996 (quando chegou ao fim, com a morte de seu líder). Sabe-se que nesse período, curto é bem verdade, os músicos enfrentaram situações das mais diversas. Desde a fama meteórica, com milhões de discos vendidos, até momentos de brigas sérias, que quase culminaram com o fim do grupo.

Os seguidores da Legião gostariam de ver retratados em tela os conturbados e lotados shows do grupo, as atribuladas relações afetivas de Renato Russo, além de seus problemas com álcool e drogas, até para entenderem melhor o que se passa com uma pessoa tão brilhante que (quase) sucumbe diante de tais situações. Muita gente não entende como um dos músicos (Renato Rocha – ao lado) deixou o grupo do auge do sucesso. Há ainda muito mistério em torno dos repentinos sumiços do grupo da mídia, os quais Renato Russo até já justificara: “só aparecemos em público quando temos o que dizer”. Mas será que era isso mesmo?

Há registros de confusões e brigas em shows, tanto na plateia quanto no palco. Seria interessante saber o que de fato ocorreu nessas ocasiões. Isso para não falar do drama vivido pelo músico, desde que soube de sua doença, até seus derradeiros dias de vida. Os últimos e melancólicos discos da banda (A Tempestade e Uma Outra Estação) tiveram fatos ainda desconhecidos por muita gente. Em algumas músicas, nota-se claramente como a saúde de Renato Russo estava debilitada. Sua poderosa voz quase não sai em muitas canções. Isso para não falar que houve música que chegou a ser gravada somente na parte instrumental, porque ele já não tinha forças para cantar.

Recentemente, soube de uma passagem revelada pelo músico Carlos Trilha, que acompanhou a banda por vários anos. Ele disse que a certa altura da gravação dos últimos discos, Russo estava impaciente e mal humorado. Certa feita, teria chegado aos estúdios de gravação e reclamado de tudo. Trilha assim o respondeu: “Pois é, né, senhor Renato Russo. Nós estamos aqui dando duro todos os dias e você quase não aparece. Quando o faz, vem reclamar”. A resposta, que segundo Carlos Trilha dói até hoje, foi a seguinte: “Você não entende, não é? Eu estou doente, estou morrendo”. Em seguida, ambos se abraçaram e choraram. Fico arrepiado só em imaginar uma cena dessas no cinema. Por isso, endosso o coro: “quero mais”.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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