por Marcelo Seabra
Para viver João, Fabrício Boliveira (o Marreco do segundo Tropa de Elite, 2010) aceitou a missão e a cumpriu a contento, criando um personagem tridimensional e crível. Seu rival, Jeremias, fica com Felipe Abib (de Vai que Dá Certo, 2013), que abusa um pouco do histrionismo, mas nem por isso sai da medida. É um playboy com as costas quentes, traficante filho de militar. A mocinha, descrita na música como uma menina linda que faria um homem se arrepender de seus pecados, foi de presente para Isis Valverde, e é quem acaba tendo mais trabalho. Sua Maria Lúcia é a pobre menina rica típica, com pai senador e em eterna crise de depressão. Suas razões e motivações permanecem desconhecidas, e a atriz precisa tirar leite de pedra. O uruguaio César Troncoso, atualmente na novela das seis, é o primo Pablo, presença forte responsável por bons momentos. O elenco ainda conta com o falecido Marcos Paulo, em seu último trabalho, uma ponta como o tal senador.
A maior tarefa da produção seria preencher os buracos que Renato Russo sabiamente deixou. Afinal, a ele importava contar uma história rápida, em música, e alguns detalhes importantes foram deixados de lado. Para dar liga, muito teve que ser inventado e alguns personagens foram criados, caso do policial corrupto vivido por Antônio Calloni. Escrito a seis mãos (Marcos Bernstein, José de Carvalho e Victor Atherino), o roteiro vai e volta no tempo, usando bons flashbacks para explorar a letra ao máximo, até para explicar ações do protagonista. Para os fãs da Legião, nenhuma surpresa quanto ao conteúdo, mas a forma de contar é bem interessante. A cena do rock de Brasília serve como pano de fundo para a trama, ambientada na capital nos anos 80, e bandas como a própria Legião embalavam as festinhas, além do punk rock que vinha de fora.
A relação entre Maria Lúcia e Santo Cristo, como João fica conhecido, é praticamente um exemplo do que é a síndrome de Estocolmo, já que ele entra na vida da menina como um criminoso que a mantém refém. Isso é um mérito do filme: João não é um coitadinho, nada é amenizado. Ele consegue buscar oportunidades, mas a vida no crime é mais rentável e atraente. Não colocar panos quentes, evitando ter um herói romântico, é uma decisão corajosa e honra a letra de Renato, que imaginou um faroeste moderno, na poeira de Brasília, com uma boa dose de violência. Belas imagens pontuam a produção, inclusive com algumas sacadas interessantes, como o fundo branco de incertezas que espera por Maria Lúcia em certo momento.
Diz-se que Renato compôs Faroeste Caboclo aos 18 anos, gravando-a alguns anos depois. Qualquer que seja a verdade, é fato que a música merecia essa adaptação há muito tempo. Mas fazer Cinema no Brasil é complicado, rala-se para conseguir um orçamento de R$ 6 milhões. A falta de grana para finalização adiou a estreia da produção de outubro de 2012 para 30 de maio de 2013, o que acabou coincidindo com a chegada de outro longa inspirado pelo cantor e compositor, Somos Tão Jovens (2013), que visita seus anos de formação (e também conta com Bernstein e Atherino). E teve também um ótimo documentário recentemente sobre a chamada “turma da colina”: Rock Brasília (2011). Renato Russo nunca esteve tão atual, 17 anos depois de sua morte.
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Também admiro que não seja feita nenhuma concessão em relação a João de Santo Crista e a Maria Lúcia também, que é uma viciada. Boa crítica.
Obrigado, Márcio, e volte sempre!