João de Santo Cristo finalmente chega aos cinemas

por Marcelo Seabra

Depois de anos de falatório a respeito de uma possível adaptação da música Faroeste Caboclo para o Cinema, alguém resolveu colocar as mãos na massa. Coube ao publicitário René Sampaio fazer sua estreia em um longa metragem, com a árdua tarefa de levar às telas as aventuras de João de Santo Cristo, personagem imortalizado na longa letra de Renato Russo, lançada no terceiro disco da Legião Urbana, em 1987. Para o elenco, foram chamados dois atores praticamente desconhecidos e uma estrela da televisão fazendo sua estreia na tela grande, todos muito bem escolhidos.

Para viver João, Fabrício Boliveira (o Marreco do segundo Tropa de Elite, 2010) aceitou a missão e a cumpriu a contento, criando um personagem tridimensional e crível. Seu rival, Jeremias, fica com Felipe Abib (de Vai que Dá Certo, 2013), que abusa um pouco do histrionismo, mas nem por isso sai da medida. É um playboy com as costas quentes, traficante filho de militar. A mocinha, descrita na música como uma menina linda que faria um homem se arrepender de seus pecados, foi de presente para Isis Valverde, e é quem acaba tendo mais trabalho. Sua Maria Lúcia é a pobre menina rica típica, com pai senador e em eterna crise de depressão. Suas razões e motivações permanecem desconhecidas, e a atriz precisa tirar leite de pedra. O uruguaio César Troncoso, atualmente na novela das seis, é o primo Pablo, presença forte responsável por bons momentos. O elenco ainda conta com o falecido Marcos Paulo, em seu último trabalho, uma ponta como o tal senador.

A maior tarefa da produção seria preencher os buracos que Renato Russo sabiamente deixou. Afinal, a ele importava contar uma história rápida, em música, e alguns detalhes importantes foram deixados de lado. Para dar liga, muito teve que ser inventado e alguns personagens foram criados, caso do policial corrupto vivido por Antônio Calloni. Escrito a seis mãos (Marcos Bernstein, José de Carvalho e Victor Atherino), o roteiro vai e volta no tempo, usando bons flashbacks para explorar a letra ao máximo, até para explicar ações do protagonista. Para os fãs da Legião, nenhuma surpresa quanto ao conteúdo, mas a forma de contar é bem interessante. A cena do rock de Brasília serve como pano de fundo para a trama, ambientada na capital nos anos 80, e bandas como a própria Legião embalavam as festinhas, além do punk rock que vinha de fora.

A relação entre Maria Lúcia e Santo Cristo, como João fica conhecido, é praticamente um exemplo do que é a síndrome de Estocolmo, já que ele entra na vida da menina como um criminoso que a mantém refém. Isso é um mérito do filme: João não é um coitadinho, nada é amenizado. Ele consegue buscar oportunidades, mas a vida no crime é mais rentável e atraente. Não colocar panos quentes, evitando ter um herói romântico, é uma decisão corajosa e honra a letra de Renato, que imaginou um faroeste moderno, na poeira de Brasília, com uma boa dose de violência. Belas imagens pontuam a produção, inclusive com algumas sacadas interessantes, como o fundo branco de incertezas que espera por Maria Lúcia em certo momento.

Diz-se que Renato compôs Faroeste Caboclo aos 18 anos, gravando-a alguns anos depois. Qualquer que seja a verdade, é fato que a música merecia essa adaptação há muito tempo. Mas fazer Cinema no Brasil é complicado, rala-se para conseguir um orçamento de R$ 6 milhões. A falta de grana para finalização adiou a estreia da produção de outubro de 2012 para 30 de maio de 2013, o que acabou coincidindo com a chegada de outro longa inspirado pelo cantor e compositor, Somos Tão Jovens (2013), que visita seus anos de formação (e também conta com Bernstein e Atherino). E teve também um ótimo documentário recentemente sobre a chamada “turma da colina”: Rock Brasília (2011). Renato Russo nunca esteve tão atual, 17 anos depois de sua morte.

A gangue de Jeremias vai caçar João

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Também admiro que não seja feita nenhuma concessão em relação a João de Santo Crista e a Maria Lúcia também, que é uma viciada. Boa crítica.

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