por Marcelo Seabra
Dizer que o filme é uma comédia romântica já depõe contra logo de cara, e pode diminuir o público interessado. Mas há vida inteligente no gênero, como prova Ruby Sparks – A Namorada Perfeita (2012), em cartaz nos cinemas. A atriz e agora produtora e roteirista Zoe Kazan, neta do cineasta Elia Kazan, escreveu uma bela e fantasiosa história sobre um relacionamento e ficou com o papel-título, colocando como seu par o namorado Paul Dano. Fica aquela suspeita de que algo ali pode ser inspirado na vida do casal, e deve ser, mas é impossível apontar os trechos exatos. E nem vem ao caso.
Calvin (Dano) é um escritor que, como Salinger, é perseguido pelo grande sucesso que teve logo no primeiro livro, lançado quando ele tinha apenas 19 anos. Dez anos depois, ele luta para bolar o sucessor, mas não sai nada. Um sonho com uma bela menina o faz começar a colocar no papel as características dessa nova personagem, que começa a ganhar detalhes cada vez mais específicos e até um nome, Ruby Sparks. A Ruby idealizada por Calvin é tão perfeita para ele que o criador se apaixona pela criatura, e a maior surpresa é quando ela se materializa na frente dele.
Como sempre faz, Calvin vai à cozinha tomar o café da manhã e se depara com Ruby (Zoe), de carne e osso, cozinhando. A menina age naturalmente, sem consciência do evento extraordinário que sua presença representa, e Calvin passa a achar que está louco. Quando Ruby mostra poder interagir com outras pessoas, Calvin para de se questionar e entra de cabeça no namoro. A partir daí, o roteiro de Zoe Kazan segue caminhos interessantes e propõe reflexões sobre um relacionamento a dois. Calvin passa a se questionar sobre o que busca em uma mulher e isso o leva a mexer na personalidade de Ruby, recorrendo à máquina de datilografar sempre que uma mudança se faz necessária.
Apesar de ter uma personagem-título altamente fantástica, todos os outros são pessoas comuns, com reações normais. O que começa parecendo um conto de fadas logo se mostra um drama, já que Calvin se vê prejudicado por seu egoísmo. Muitas vezes, as pessoas querem ao seu lado alguém que viva em função delas, alguém tão perto da perfeição que não é possível que exista. E ninguém iria aguentar viver com um parceiro perfeito, que ressaltasse o tempo todo suas próprias imperfeições e carências. Não seria surpresa descobrir alguma ligação desta obra e Woody Allen, já que o estudo psicológico bem humorado se assemelha ao universo do cineasta, que também já visitou realidades ligeiramente mágicas, como em A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985), Contos de Nova York (New York Stories, 1989) e o recente Meia Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011).
Dano, grande destaque de Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007), sugeriu os diretores com quem trabalhou em Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006), Jonathan Dayton e Valerie Faris, e assim estava formado o núcleo principal do longa. Para completar o elenco, entram Annette Bening (de Minhas Mães e Meu Pai, 2010), Antonio Banderas (de O Príncipe do Deserto, 2011), Elliott Gould (de Contágio, 2011), Steve Coogan (de Os Outros Caras, 2010) e Chris Messina (de Argo, 2012), entre outros. Dayton e Valerie, também um casal da vida real, mais uma vez demonstram ter uma sensibilidade bem apropriada para histórias bem construídas e críveis, mesmo partindo de uma premissa surreal, como é o caso aqui.
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