por Marcelo Seabra
Depois de uma boa recepção em três importantes festivais de cinema (Paulínia, Montreal e Rio) e um longo período na geladeira, finalmente chega aos cinemas brasileiros Corações Sujos (2011), terceiro trabalho do diretor Vicente Amorim. A resposta favorável do público pôde ser observada também em Tóquio, onde o longa ocupou algo em torno de 50 salas antes de rodar o interior do país. A maioria dos diálogos é em japonês e, apesar de se passar em solo brasileiro, trata-se de uma história importante para o povo da terra do sol nascente.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota das chamadas forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o governo de Getúlio Vargas passou a pegar pesado com os cidadãos desses três países que viviam por aqui. Eles não podiam ouvir rádio, receber jornais ou mesmo usar a língua mãe. Essa falta de contato com o mundo exterior levou a um fenômeno extremamente interessante e trágico: a maioria dos 200 mil japoneses da colônia brasileira não acreditava na derrota do Japão, julgando ser apenas propaganda americana.
Algo que o filme deixa claro é o excesso de patriotismo dos japoneses e a confiança e devoção que dedicavam ao Imperador Hirohito. Ao aceitar o fim do conflito, Hirohito nunca admitiu derrota, dizendo em rede nacional que se tratava de um cessar fogo. O Japão nunca havia perdido uma guerra e uma rendição era impensável, já que o Imperador era tido como divino e imortal. Daí, a recusa dos imigrantes no Brasil em aceitar o impensável. Os poucos que, mesmo condoídos, reconheceram o fato eram tratados como traidores, dizia-se que tinham os corações sujos.
O protagonista criado por França Mendes retoma uma ideia que Amorim já apresentava em Um Homem Bom. Nele, Viggo Mortensen era um alemão que escolheu não se envolver com a guerra até o último momento possível, quando passou a fazer vista grossa para certas ações do Estado para não ser incomodado. Era um homem comum, tido como bom, que não fez nada para mudar o cenário, como outros milhares de alemães. É um pouco similar com o que ocorre com Takahashi, que se deixa levar pelo nacionalismo exacerbado e entra para a turma do Coronel Watanabe. É preciso tentar decifrar a psique japonesa para entender seu comportamento, e o filme mostra bem o espírito desse povo.
Corações Sujos tem um resultado bem satisfatório. É belamente filmado, aqui e ali lembrando produções japonesas, com cenas poéticas e momentos de reflexões internas. A música, geralmente muito acertada, é usada um pouco além do necessário, mas não chega a incomodar. Apesar de ter apenas 90 minutos de duração, parece ser mais longo por ser mais contemplativo que o que se vê por aí. O que não é ruim, basta estar no espírito adequado e aproveitar a experiência.
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