Caminhoneiro João Miguel está À Beira do Caminho

por Marcelo Seabra

Em 1998, milhares pelo mundo se emocionaram com a viagem de Dora (Fernanda Montenegro) e Josué (Vinícius de Oliveira) por um país sofrido como seus personagens em Central do Brasil. Agora, é a vez de Breno Silveira, diretor do popular Dois Filhos de Francisco (2005), fazer o seu road movie sobre a relação de um adulto e uma criança, ambos em busca de algo que complete suas vidas. À Beira do Caminho (2012) não é exatamente inovador, mas parece feito com um carinho genuíno que acaba atingindo o espectador.

João Miguel, ator experiente que chamou bastante atenção no ótimo Estômago (2007) e foi visto recentemente em Xingu (2012), é a alma do filme. E, talvez, o coração seja o garoto Vinícius Nascimento. É a química entre os dois que faz as coisas acontecerem. Apesar de alguns clichês quanto às mudanças de humor e ponto de vista dos personagens, os dois encarnam bem os seus papéis e passamos a acreditar naquela relação, por mais formulaica que ela seja. Vinícius, escolhido em teste entre 800 meninos e já com alguma experiência (como em Ó Paí, Ó, de 2007), chega a roubar a cena quando João Miguel permite, e o elenco principal é completado por Dira Paes e Ângelo Antônio, de Dois Filhos…, além de Ludmila Rosa (de Seja o que Deus Quiser, 2002).

Quando a história começa, conhecemos o caminhoneiro João, um sujeito amargurado que tem as músicas de Roberto Carlos como trilha sonora de sua vida – canções que invocam dor e tristeza. Muito a contragosto, ele aceita dar carona ao jovem Duda, órfão de mãe que espera encontrar o pai que nunca conheceu. À medida que a relação entre eles se desenvolve, conhecemos melhor João e as tragédias de sua vida, quase sempre com o Rei (ou versões de outros artistas) tocando. É fato que Roberto Carlos não costuma facilitar a utilização de suas músicas no cinema, mas ele permitiu, de uma lista de 12 opções, que Silveira usasse quatro, e por uma quantia módica. Engraçado que Sentado à Beira do Caminho não é uma delas.

Através de flashbacks, descobrimos o que houve com João e com as moças vividas por Dira e Ludmila. É estranho ouvir a primeira manifestar seu desejo de sair da pequena cidade onde eles moravam, no interior de São Paulo, por ter grandes planos, e reencontrá-la no interior de Pernambuco. Será que houve tanta diferença assim entre as duas cidades? Talvez ela, como os demais, não conseguiu chegar exatamente aonde planejava. E a cada virada de rumo da história, temos uma mensagem de caminhão para nos resumir o que está acontecendo, uma forma bem bolada, porém desnecessária, de dar recados ao público, que parece precisar que lhe digam o que pensar. Sorte que a câmera logo volta à dupla de protagonistas e nos vemos mais uma vez ligados àquelas figuras carismáticas.

Exibido na abertura do Cine PE – Festival do Audiovisual, em Olinda, À Beira do Caminho foi prejudicado por falhas no sistema de som. Problemas superados e desculpas divulgadas pela organização do evento, nada menos que cinco prêmios foram conquistados: melhor filme, ator (João Miguel), roteiro (Patrícia Andrade), o prêmio do júri popular e o Gilberto Freyre, “uma honraria especial destinada à produção de longa-metragem que melhor expresse a valorização da identidade nacional”, segundo o site do Cine PE. Ao agradecer, Breno Silveira afirmou que seus filmes sempre serão sobre a cultura brasileira, buscando atingir o máximo de público possível. Ele subiu ao palco acompanhado pelas filhas, que homenageou com os prêmios. A esposa, Renata, faleceu há pouco, e o longa é dedicado a ela.

O diretor, a roteirista e o elenco principal

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Nossa, Marcelo, seu texto é uma delícia de ler. É cativante e informativo. Já estou me coçando para assistir ao filme... principalmente considerando o ator principal, que acho demais. Você tem a "cara" do pessoal do Cinema em Cena. Aquela galera do "mal" é demais também. Parabéns!

  • Gostei dos seus esclarecimentos! Muito informativo e gostoso de ler. Estou através do seus textos até tomando mais gosto por filmes!! Abraços!!

    • Naterce, acho que todos que escrevem sobre cinema gostariam de receber um elogio desses! Tomara que você assista a ótimos filmes e continue me acompanhando!
      Abraço!

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