Nova parceria Depp-Burton não convence

por Marcelo Seabra

Das várias parcerias que vemos no cinema entre atores e diretores, a dobradinha Johnny Depp e Tim Burton é uma das mais longas. E mais bem sucedidas também, diga-se de passagem. A união já deu ao mundo longas como Edward Mãos de Tesoura (1990), Ed Wood (1994), A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999) e A Noiva Cadáver (2005). O mais recente, Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012), é tranquilamente o mais fraco dos oito, marcando um tropeço em duas carreiras bem notáveis.

Um ponto que merece palmas em Sombras é a trilha escolhida. Como a trama se passa em 1972, as músicas são da época e muito bem selecionadas, começando com Nights in White Satin, do Moody Blues. Entre as bandas que ouvimos, estão T-Rex, Iggy and the Stooges, Donovan, Carpenters, Deep Purple, Black Sabbath, Curtis Mayfield, Barry White, Elton John e Alice Cooper, responsável por algumas boas cenas. Isso tudo além de Danny Elfman, parceiro habitual de Burton, que geralmente fica acima da média em suas trilhas instrumentais.

Johnny Depp vive Barnabas Collins, o herdeiro de uma próspera família inglesa que foi para os Estados Unidos fazer fortuna no negócio da pescaria em meados de 1700. Uma bela e apaixonada empregada dispensada por Barnabas lhe joga uma maldição, transformando-o em vampiro, e ainda o acorrenta em um caixão. Quase duzentos anos depois, no início da década de 70, ele volta a circular, estranhando tudo e todos à sua volta. Ao encontrar a mansão da família, ele conhece seus parentes e precisa se adaptar aos novos tempos.

A premissa é bem interessante, assim como a maioria dos envolvidos. A trama é baseada na novela homônima exibida nos EUA entre 1966 e 1971, criada e produzida por Dan Curtis. Foram 1225 episódios no total, e está aí o grande problema do roteiro: Seth Grahame-Smith (do novo Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros) parece ter tentado comprimir isso tudo em pouco menos de duas horas. O resultado lembra a série American Horror Story, com um desfile de aberrações e situações sem tempo suficiente para um desenvolvimento apropriado. E o cerne do roteiro, a história mal resolvida de Barnabas e Angelique, nunca chega a empolgar. Pelo contrário, é bem sem pé nem cabeça.

O elenco reunido tem suas boas e más peças. A eterna Mulher-Gato Michelle Pfeiffer, linda aos 54 anos, parece ser ela mesma uma vampira, ignorando a idade, e muito competente. Helena Bonham Carter (de O Discurso do Rei, 2010) segue odiosa, num papel antipático como de costume. A participação da jovem Chloë Grace Moretz segue com as caras e movimentos da Hit Girl de Kick Ass (2010), desta vez um tanto mais sexy, apesar da tenra idade. Jackie Earle Haley, o novo Freddy Krueger, faz um empregado esquisitão na medida certa, enquanto Jonny Lee Miller (visto em 2010 na série Dexter) mal mostra a que veio como Roger Collins. A Eva Green (Cassino Royale, 2006) cabe o grande papel feminino, mas a aparente falta de química com Depp mina a relação entre os personagens. E a mocinha Bella Heathcote não tinha como ser mais apagada.

Tim Burton consegue sempre dar a sua cara aos filmes que dirige, e Sombras da Noite não é diferente. A ambientação é ótima, o clima de suspense é constante e o enfoque sobre o vampiro protagonista é bem diferente do que tem se visto por aí. Há uns traços de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça que são muito bem-vindos. Mas o trânsito entre o quase terror e a comédia é bem desordenado, o timing para estes momentos é horrível. Não se pode levar o filme a sério, mas ele também não se define como uma paródia. Essa indefinição incomoda e torna o resultado tristemente abaixo do esperado.

Depp confabula com seu amigo e diretor

PS: aproveitando a estreia de Sombras da Noite, o site Cinema em Cena dedicou uma edição de seus podcasts ao assunto “Grandes Parcerias”. Mais uma vez, tive o prazer de participar. Para conferir o podcast, clique aqui!

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Ótimo crítica!
    nunca me animei para ver esse filme, parece apenas razoavel

    • É uma pena essa derrapada, Guilherme, acredito que todos esperávamos mais.
      Abraço!

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