Deus da Carnificina chega pelas mãos de Polanski

por Marcelo Seabra

Depois do sucesso em teatros franceses, londrinos, americanos e até brasileiros, era hora da peça Deus da Carnificina, da francesa Yasmin Reza, chegar aos cinemas. Coube ao exilado Roman Polanski (de O Escritor Fantasma, de 2010) conduzir a adaptação, Carnage (2012), que chega ao Brasil com o mesmo título da peça. Curta e em tempo real, a história acompanha dois casais que, após uma rápida troca de gentilezas, partem para cima com agressões verbais e julgamentos. Nada muito sangrento, no entanto, como se poderia pensar.

Em tempos de discussões sobre bullying, a trama se torna ainda mais relevante. Ela começa quando os dois casais se encontram para discutir a briga dos filhos. Em um parquinho, um garoto bateu no outro com um pedaço de pau e lhe arrancou dois dentes. Os pais do agredido (Jodie Foster e John C. Reilly) se mostram compreensivos e recebem os pais do agressor (Christoph Waltz e Kate Winslet) para que possam discutir a melhor forma de colocar um ponto final no caso. Um teoricamente rápido encontro de conciliação acaba virando um bate-boca digno de quatro crianças.

Enquanto os convidados se mostram mais ricos e bem sucedidos, os anfitriões parecem acomodados com um padrão de vida mais classe média. Daí, já se sabe qual postura cada um vai assumir, o que não dura muito tempo. Então, eles começam a alternar os papéis, fugindo dos estereótipos iniciais, e brigam até entre si – marido contra mulher. Em menos de uma hora e vinte de filme, eles mostram que belos exemplos são para os filhos e servem de representação para o quanto hipócrita a sociedade pode ser. Os vários países onde a peça teve público e prêmios comprovam que não se trata de um problema localizado, mas geral. Até na nacionalidade e sotaque dos atores se percebe isso.

Vista recentemente em Um Novo Despertar (The Beaver, 2011), Jodie Foster está particularmente irritante. Ela é a típica intelectual de butique que se acha melhor que os outros, até que o marido. Reilly, igualmente competente, volta ao papel de pai banana de Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, 2011) e, na maior parte do tempo, se contenta em dar suporte à esposa enjoada. O outro casal não parece estar muito bem, já que o marido trabalha muito e não dá muita atenção à família. Kate (Contágio, 2011) chega com uma pose de segurança que logo se desmancha, enquanto Waltz (Água para Elefantes, 2011) dá um show como o personagem que parece ser o mais sensato, ou apenas o menos falso.

Os diálogos são afiados, mas soam planejados, conduzindo os personagens até onde eles devem chegar. É como se os pontos inicial e final de suas trajetórias já estivessem definidos de cara, eles só precisam percorrer o caminho. Deus da Carnificina é muito bem filmado, o espaço físico – o apartamento – é bem aproveitado, a fórmula toda parece ter muita harmonia. Mas, com tantos nomes grandiosos envolvidos, esperava-se mais, e ele fica bem ali na média.

E o cenário é sempre este: o apartamento

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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