por Marcelo Seabra
Tem gente que não acredita em jornadas de personagens, quando aquele sujeito começa a história apático, ou mesmo mau, e algo acaba tocando-o, mudando seu destino. Além de ser irritante ter que acreditar que esse tipo de crescimento pessoal aconteça com frequência, o caminho entre os dois extremos tem que ser muito bem planejando, para não soar como o que de fato é: um artifício do roteiro. Em cartaz nos cinemas, Flores do Oriente (Flowers of War, 2011) apresenta esse amadurecimento em meio a um massacre histórico.
Ao contrário do que geralmente acontece quando esse clichê é usado, aqui ele até funciona. O “padre” John Miller (vivido pelo Batman Christian Bale) é apresentado como um bêbado que só vê dinheiro à sua frente. Ele consegue cobrar até para salvar pessoas da morte certa em um desolador cenário de guerra. No entanto, o convívio com as mulheres que se refugiam com ele em uma igreja acaba tendo exatamente o efeito de fazê-lo amadurecer. Fica tudo bem crível, qualquer exagero é evitado e, o que é o mais importante: ele se torna
Miller entra em cena buscando a tal igreja, já que foi contratado para enterrar o padre até então encarregado. Ele encontra duas estudantes no caminho e acaba sendo guiado por elas, que se juntam ao resto da turma. Pouco depois, buscam abrigo algumas prostitutas que divertiam os homens em um famoso bordel da região. Fora da igreja, japoneses trucidam chineses no episódio que ficou conhecido como “O Massacre de Nanquim” (ou “O Estupro de Nanquim”). A então capital chinesa foi tomada em 1937 pelo exército imperial japonês que, não satisfeito em subjugar a população, cometeu atrocidades como estupros, incêndios, saques e assassinatos a sangue frio. Mulheres eram abusadas sexualmente para, em seguida, serem executadas. Muitos corpos foram encontrados com as mãos amarradas para trás e não se tem o número exato de mortos, com estimativas indo de alguns milhares (segundo o Japão) a trezentos mil (segundo os chineses).
Bale não é estranho a filmes de guerra. Sua carreira praticamente começou com O Império do Sol (Empire of the Sun, 1987), no qual ele fugia de japoneses durante a Segunda Guerra. E ele foi um dos Swing Kids (ou Os Últimos Rebeldes, longa de 1993). Depois de alguns papéis no piloto automático, Bale não ficou conhecido por ser muito expressivo. Felizmente, isso vem mudando, e ele até levou o Oscar de ator coadjuvante por O Vencedor (The Fighter, 2010). Essa melhora também é observada em Flores do Oriente, justificando a escolha de Bale como o chamariz para o público ocidental, que poderia não se interessar se o elenco fosse todo composto por chineses e japoneses. Não faria diferença se o personagem fosse chinês, mas criaram um coveiro americano – e chamaram um ator galês. Os demais nomes (destaque para a novata Ni Ni e para o garoto Huang Tianyuan) cumprem bem seus papéis, compondo um belo diferencial para o longa.
Foram gastos quase US$100 milhões, dando a Flores do Oriente o título de filme mais caro do cinema chinês, soma digna dos grandes estúdios de Hollywood. E a bilheteria já alcançou o triplo desse valor, o que torna a produção bem sucedida financeiramente. O diretor Zhang Yimou, um dos nomes mais significativos do cinema chinês (de Lanternas Vermelhas e O Clã das Adagas Voadoras), tomou uma decisão corajosa ao levar adiante a adaptação do romance 13 Flores de Nanquim, de Yan Geling. O Massacre de Nanquim ainda é cercado de polêmica, suas causas nunca chegaram a serem explicadas e os criminosos de guerra nem chegaram a ser punidos, salvos em negociações com o governo americano.
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