Diversas referências compõem os Jogos Vorazes

por Marcelo Seabra

Lavoisier nunca esteve tão atual, veja o que acontece no cinema. É cada vez mais comum assistir a um filme e começar um processo de identificação de referências. Não que isso seja algo ruim: Tarantino já provou que estas colagens podem dar certo. Com Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2012), isso acontece a todo momento. Com elementos de várias outras obras, a escritora Suzanne Collins criou sua trilogia e, com o sucesso atingido entre o público adolescente, a adaptação à tela grande da primeira parte era questão de meses.

O diretor Gary Ross, dos elogiados Pleasantville – A Vida em Preto e Branco (1998) e Seabiscuit – Alma de Herói (2003), foi incumbido de escrever e comandar a produção. Com a ajuda da própria Suzanne e de Billy Ray (que escreveu Intrigas de Estado, de 2009), Ross conseguiu aproveitar a maior parte daquele mundo futurista apocalíptico, fidelidade bem recebida pelos fãs do livro. E eles são muitos, já que milhões de cópias foram vendidas, tanto impressas quanto no formato digital Kindle, no qual Suzanne é recordista absoluta de vendas.

Na história, o que era a América do Norte virou Panem após algum evento destrutivo de grandes proporções. Os doze distritos que cercam a Capital são obrigados, como punição por uma insurgência, a cederem anualmente 2 jovens entre 12 e 18 anos. Os 24 indicados são chamados Tributos e participam de um reality show de onde apenas um sairá com vida. Com uma mistura do mito grego de Teseu, visto em Imortais (2011), e os espetáculos sangrentos nas arenas romanas à Spartacus, mais uma pitada de Big Brother, temos os Jogos Vorazes.

A protagonista, Katniss Everdeen, é uma habilidosa caçadora e arqueira de 16 anos que vive com a irmã menor e a mãe, que ficou abalada psicologicamente após a morte do marido. Katniss se vê obrigada a se oferecer como Tributo quando a irmã é sorteada, e é levada à Capital para participar do jogo. Com ela, vai o insípido Peeta Mellark, o filho do padeiro que conhece Katniss do tempo da escola. Eles são os indicados do Distrito 12, o mais pobre e distante de todos.

A atriz escolhida para dar vida à heroína, Jennifer Lawrence, vem recebendo bastante atenção – e merecida! Indicada ao Oscar no ano passado por Inverno da Alma, ela bem poderia estar recriando aqui sua sofrida Ree, já que há características similares nas regiões onde ambas vivem, e em suas famílias. Com o blockbuster X-Men: Primeira Classe (2011), no papel da jovem Raven, ela ganhou ainda mais evidência. Jennifer consegue demonstrar a emoção correta para cada momento, soando naturalmente adaptada àquela realidade. Josh Hutcherson (dos dois Viagem ao Centro da Terra), que vive Peeta, é discreto na medida certa, formando um par interessante com Jennifer.

Os bons atores de Jogos Vorazes não são apenas os mais importantes: os coadjuvantes, quando podem, roubam a cena. A começar por Stanley Tucci (de O Diabo Veste Prada, de 2006 – ao lado), como o extravagante apresentador e comentarista do programa, que entrevista os participantes e acompanha suas aventuras. O presidente de Panem é ninguém menos que Donald Sutherland (de Quero Matar Meu Chefe, de 2011), que tem pouco tempo em cena, mas nunca passa despercebido. Como a equipe que prepara os participantes do Distrito 12, vemos os bem integrados Woody Harrelson (de Amizade Colorida, 2011), Elizabeth Banks (de 72 Horas, 2010) e Lenny Kravitz (é, o cantor!). Temos ainda Wes Bentley, como o produtor do programa, Toby Jones, como outro comentarista, e Liam Hemsworth, o interesse romântico de Katniss em seu distrito.

Segundo Suzanne Collins, a ideia para Jogos Vorazes surgiu quando se misturaram em sua cabeça duas coisas que havia assistido na televisão: em um dia, viu pessoas disputando em um reality show; no outro, imagens da invasão do Iraque. Além das inspirações gregas e romanas, ela pode ter assistido (ou lido) a O Sobrevivente (The Running Man, 1987), história que Stephen King lançou em 1982 sob o pseudônimo de Richard Bachman. As relações que se desenvolvem entre os jovens e as reações podem ter saído de O Senhor das Moscas (livro de 1954, filmes de 1963 e 1990). O design da Capital é claramente calcado nas cidades nazistas, como visto em Triunfo da Vontade (1935) – o que é bem apropriado, por se tratar de um regime ditatorial. Batalha Real (ou Battle Royale) é um longa japonês de 2000, baseado num livro lançado no ano anterior, que foi distribuído recentemente e até ganharia uma refilmagem americana, cancelada exatamente pela similaridade com Jogos Vorazes.

Todas essas referências (e muitas outras) se encaixam com fluidez, e a fórmula vai divertir o público mais jovem. Stephen King, com frequência, elogia obras de outros artistas e ajudou a chamar atenção para a trilogia de Suzanne, assim como fez Stephenie Meyer, a culpada pelo novelão Crepúsculo. As histórias criadas por Suzanne e Stephenie, inclusive, têm muitos pontos em comum, o que levantou comparações e a ideia de uma sucessão natural nas sagas teens, para manter alto o faturamento de editoras e estúdios. No entanto, pais que se dispuserem a acompanhar os filhos ao cinema vão sofrer menos desta vez. Bem menos!

Os principais Tributos, clicados para a revista Vanity Fair

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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