O Guarda é mais uma pérola inglesa

por Marcelo Seabra

Comédias inglesas têm algo que me atraem. Pode ser o tipo de humor, discreto, baseado nas situações estranhas em que seus personagens se metem. Agora, se elas contam com Brendan Gleeson em papel de destaque, não dá para perder. Os irmãos McDonagh perceberam isso logo e fizeram de Gleeson seu ator-fetiche. Martin, o mais novo, havia dirigido o ótimo Na Mira do Chefe (In Bruges, 2008). John Michael decidiu estrear na direção e não teve dúvida de quem chamar para O Guarda (The Guard, 2011). Mais um ponto para a família.

Indicado a um Globo de Ouro pelo papel, Gleeson vive o sargento Gerry Boyle, um sujeito que não conseguimos definir se é muito esperto ou muito burro. Sua inocência pode ser confundida com sarcasmo, ou vice-versa. Ele parece ser uma metralhadora quando se trata de cometer gafes ou ser deliberadamente rude. Mas ele o faz de uma forma tão natural, com uma cara tão boa, que é difícil para os demais personagens ficarem chateados com ele. E, apesar de seus métodos pouco ortodoxos, não se pode dizer que é um incompetente. Galway, na costa oeste da Irlanda, é uma cidade de sorte por tê-lo em sua força policial.

As várias contradições de Boyle, aliadas à atuação de Gleeson, o tornam tão carismático e crível. Até a preferência por companhias femininas pagas dizem muito a respeito de sua personalidade, já que é um sujeito sozinho, que divide seu tempo entre a delegacia e cuidar da mãe idosa. Sua rotina sofre um baque quando encontra um cadáver recém assassinado ao mesmo tempo em que um agente do FBI chega na cidade para tentar prender uma ambiciosa gangue de traficantes de drogas.

Don Cheadle, o Coronel Rhodes do segundo Homem de Ferro (Iron Man 2, 2010), vive o agente americano como um contraponto perfeito para Boyle. Para começo de conversa, ele é negro, e o festival de insultos começa. O roteiro, também de John Michael McDonagh, parte de bases bem comuns ao gênero policial – o contraste entre personalidades, os extremos que precisam se unir e acabam se afeiçoando um ao outro. Mas isso é só o começo, as situações que surgem são bem interessantes. Boyle chega a dizer que preconceito é algo inerente ao irlandês.

Além de Gleeson e Cheadle, o elenco de O Guarda traz também três criminosos inspirados. Liam Cunningham (de Cavalo de Guerra, 2011), Mark Strong (o Sinestro de Lanterna Verde, 2010) e David Wilmot (de The Tudors) formam a gangue de traficantes, cada um com suas características marcantes. A veterana Fionnula Flanagan (de Quatro Irmãos, 2005) deixa sua marca como a mãe de Boyle, sempre muito correta em seu trabalho.

É uma pena que longas como In Bruges e O Guarda acabem indo direto para as prateleiras das locadoras. No Brasil, sem um nome de peso ou um “motivo” que justifique o investimento, o filme passa batido. Preste bastante atenção, não se acha pérolas como essa todos os dias no mercado de homevideo. Gleeson pode não ter sido premiado com um Oscar ou Globo de Ouro, mas ele sozinho vale o aluguel.

O guarda sabe se divertir - mesmo que tenha que pagar

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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