Outra escorregada da Marvel enterra o Motoqueiro Fantasma

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Criado na década de 1970, o Motoqueiro Fantasma foi um dos precursores dos anti-heróis que começariam a aparecer nas páginas de quadrinhos da Marvel Comics, a exemplo de personagens como Wolverine e Justiceiro. Durante duas décadas, o personagem foi um coadjuvante de luxo com uma história bem simples: para evitar a morte de seu pai devido ao câncer, o motociclista acrobata Johnny Blaze faz um acordo com o demônio: seu pai não seria vitimado pelo câncer em troca de sua alma. Como não poderia deixar de ser, o diabo trapaceou, o pai de John morreu por causas não-naturais e ele foi amaldiçoado com a possessão de um demônio devorador de almas que, inicialmente, tomava o corpo de John quando o sol sumia. Representado por uma caveira flamejante, assim como sua moto, o Motoqueiro representava o “Espírito da Vingança”, distribuindo sua justiça àqueles que cometiam o mal. Solitário por natureza, ele chegou a fazer parte de grupos como Os Defensores. Em algum momento, Johnny se livrou de sua maldição.

Depois de enfrentar uma época de baixa na década de 1980, o Motoqueiro foi trazido de volta do limbo nos anos 1990. A Marvel decidiu, então, reformular o personagem. Dessa vez, o receptáculo para o demônio devorador de almas seria o jovem Danny Ketch, que também passou por uma situação traumática envolvendo a morte de um familiar. Naqueles anos, anti-heróis com um visual apelativo estavam em alta e o personagem obteve uma popularidade nunca vista antes. A popularidade começou a cair e tudo ficou bastante confuso, na medida em que Johnny Blaze – que havia se livrado do demônio – voltou a ser amaldiçoado, a Marvel decidiu ficar com dois Motoqueiros. Descobriu-se que Danny era irmão de John e que na verdade um dos motoqueiros estava possuído por um demônio e outro, por um anjo, e por aí vai…

O fato é que o apelo visual do personagem fez com que a Marvel decidisse investir em uma produção cinematográfica estrelada por ele em 2007. Com Nicolas Cage e dirigido por Mark Steven Johnson, o filme foi um fiasco. Uma história rasa, um Nicolas Cage mais canastrão do que o normal e clichês em cima de clichês fizeram com que a produção afundasse em todos os aspectos, obtendo uma péssima recepção de crítica e público. Os fãs da Marvel, no entanto, viram algo de bom ali: depois de cometer Demolidor (e criar o embrião de Elektra), era a hora de Mark Steven Johnson se afastar dos personagens da editora. Dois filmes, dois fracassos. Chega, né? Infelizmente, não.

Johnson saiu da cadeira de diretor, mas se envolveu na produção de Motoqueiro Fantasma: O Espírito da Vingança (Ghost Rider: Spirit of Vengeance, 2011) e percebe-se seu dedo no desenvolvimento do filme (por falta de descrição melhor): não é tão ruim quanto seu predecessor, mas não fica muito acima dele. A dupla de diretores Mark Neveldine e Brian Taylor, dos dois Adrenalina (de 2006 e 2009), não atinge muita coisa, o que já demonstraram que fariam quando roteirizaram Jonah Hex, aquela monstruosidade de 2010. Apenas adicionaram uma linguagem dita jovem, com referências pop desnecessárias. Nem a história de David Goyer (da trilogia de Batman) conseguiu salvar o personagem.

A trama aqui é um pouco menos rasteira que a do filme anterior. O demônio (Ciarán Hinds, do vindouro A Mulher de Preto – ao lado) caminha entre os homens e, de tempos em tempos, precisa fazer acordos para se apoderar de corpos humanos. Depois de algum tempo, esses corpos se deterioram e ele precisa fazer uma troca. Cansado disso, ele se aproveita de um momento de desespero de Nadya (Violante Placido, de Um Homem Misterioso) para fazer um acordo com ela. Em troca de sua vida, ela geraria seu filho. Quando chegasse aos 13 anos, Danny (Ketch? – vivido por Fergus Riordan) passaria por um ritual, no qual sua alma seria substituída pela do demônio. É aí que entra uma ordem religiosa misteriosa, que se propõe a proteger o menino. Para isso, o monge Moreau (Idris Elba, de Thor, 2011) precisa recrutar Johnny Blaze para a sua causa. Como recompensa, a ordem promete livrar Blaze de sua maldição. Dizer mais estragaria as (poucas) surpresas que o filme reserva.

Motoqueiro Fantasma 2 tem muitos defeitos e o principal deles é justamente Nicolas Cage. Famoso por sua canastrice, aqui Cage abusa em todos os sentidos. Não há um momento no filme em que sua atuação não soe deveras exagerada e desproporcional ao que o roteiro pede. Este, por sua vez, é outra complicação, principalmente pelo fato de não tentar criar uma empatia entre personagens e audiência. Sinceramente, em nenhum momento dá pra se preocupar com os destinos de Danny ou de Blaze. Os efeitos especiais estão bem decentes e as cenas do Motoqueiro são interessantes, mas nada que encha os olhos, até porque são apenas uma evolução do que vimos no longa de 2007.

Finalmente, se em Imortais (Immortals, 2011) o 3D acrescia pouco ao filme, em Motoqueiro Fantasma: O Espírito da Vingança ele não faz nada além de tornar o ingresso mais caro e o filme mais escuro. Fora uma cena em que ele dá uma profundidade maior ao esconderijo de Blaze, um cinza voadora aqui e ali e uma gota de sangue mais definida, o fato é que a conversão do 2D para o 3D aqui não trouxe nada a mais ao filme. Um desperdício, já que os efeitos pirotécnicos que o personagem exige poderiam ter sido muito bem trabalhados nessa nova tecnologia. Que, repito, já está sendo banalizada por ser usada por profissionais que não sabem desfrutar de seu potencial.

Nota do Pipoqueiro: as salas Cinemark estão exibindo, junto com a cópia de Motoqueiro Fantasma 2, o clip da música Presença, primeiro trabalho em 3D do Skank.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Os dois filmes do Motoqueiro foram produzidos pela Columbia Pictures. O Demolidor e a Elektra foram produzidos pela Fox. A Marvel não fez nada nessas produções, você está confundindo as coisas amigo. Uma coisa é comparar os filmes da Marvel Studios com esses outros estúdios. Sem esse negócio de fanboy.

    • Everton, em que momento afirmamos o contrário? Antes de ser um estúdio de Cinema, a Marvel já era uma editora, e é dela que falamos.
      obrigado pela visita!

      • "...O fato é que o apelo visual do personagem fez com que a Marvel decidisse investir em uma produção cinematográfica estrelada por ele em 2007..."

        • A Marvel, editora, é dona dos direitos. Logo, ela decide investir numa produção cinematográfica.

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