por Marcelo Seabra

Antes de mais nada, um filme fantástico. Dito isso, pode ser mencionado o fato de O Artista (The Artist, 2011) ser em preto e branco e praticamente mudo, o que não o coloca em posição inferior a outras obras. Pelo contrário. Sem poder usar muitos artifícios, o filme se concentra no básico: uma história cativante, ótimos atores, excelente uso do cenário e dos tons de cinza e uma homenagem a um período mágico do cinema. Um charme como não se vê com frequência, e que não se esquece facilmente.

A referência a Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952) é clara, mas a diferença é fundamental. No clássico, o protagonista vivido por Gene Kelly se adaptava ao som, recurso recém-chegado às produções cinematográficas. Nesta nova obra, que já nasce com o status de cult, o astro se recusa a se modernizar, ele acredita que ninguém quer ouvi-lo. Ou que ele não teria nada a dizer. E, afinal, se até então ele não havia dito uma palavra nas telas, para quê iria começar?

O longa franco-belga nos apresenta a George Valentin (Jean Dujardin), o maior ator do principal estúdio em atividade em Hollywood nos idos de 1927. Uma espécie de mistura de Rodolfo Valentino (como o sobrenome sugere) e Clark Gable, ele aproveita a fama e se adequa perfeitamente às obrigações de uma figura pública. Após a exibição de seu mais novo sucesso, ele ganha um singelo beijo de uma fã, Peppy Miller (Bérénice Bejo), que procura bicos como figurante. Com a exposição na mídia, ela acaba ganhando mais espaço em uma cena com Valentin. É nesse momento que o som chega e os separa: é a deixa para sangue novo aparecer e enterrar aquele passado mudo, marcando uma nova era.

A subida de Peppy é proporcional à derrocada de Valentin, que considera o som algo passageiro, que não acrescenta nada às produções e que não vingaria. É nos momentos em que Dujardin e Bérénice contracenam que O Artista cresce, tamanha é a sintonia dos atores. Merecidamente, a Academia reconheceu o trabalho de ambos e os indicou (como Ator Principal e Atriz Coadjuvante) ao prêmio de 2012. Dujardin inclusive levou o Globo de Ouro na categoria Comédia ou Musical e não seria surpresa se ele batesse o favorito, George Clooney (por Os Descendentes). As transformações pelas quais Valentin passa, o papel que ele é obrigado a representar, sorrindo ao menor sinal de público se aproximando, comprovam o talento de Dujardin. Por mais que simpatize com Clooney e seu filme, já tenho meu favorito.

O elenco de O Artista é reforçado por rostos reconhecíveis pelo público, como John Goodman (o pai de Speed Racer – ao lado), Penelope Ann Miller (de O Pagamento Final, de 1992), James Cromwell (o dono de Babe, o Porquinho Atrapalhado) e, numa rápida ponta, Malcolm McDowell (o eterno Alex de Laranja Mecânica, de 1971). Nada que chame o grande público, infelizmente, já que este não é o caso de um filme para as massas. Mas espero ainda ouvir muito o nome Michel Hazanavicius, o diretor, roteirista e editor de O Artista, triplamente indicado pela Academia (são dez para o longa, no total). Até então, sua obra de maior expressão era a paródia francesa de James Bond, o Agente OSS 117, no qual comandou Dujardin e Bérénice, sua esposa.

A simplicidade de O Artista pode causar uma impressão errada de ser um filme simplista, bobo ou vazio. Em tempos de muitos efeitos especiais e cinismo no cinema, nada como voltar às origens – mesmo que de mentirinha, já que Hazanavicius usa elementos que não estariam disponíveis na época. Um exemplo é a excepcional cena em que Valentin ouve todos os sons à sua volta, menos sua própria voz. Uma metáfora óbvia, mas lindamente realizada. Como disse Dujardin: “Sem falas para poluir, é preciso muito pouco para que a emoção flua”.

Elenco e equipe no Critics Choice Movie Awards

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Os figurinos são lindíssimos! E a pinta da Peppy Miller lembra Marilyn Monroe....

  • Aqui na França o filme é um sucesso! Todo mundo ama esses atores e o cara é maio pop star aqui rsrs Tiveram super orgulho de um filme francês. Eu adorei, mas confesso que o cachorro é o meu preferido. Derreti!

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