Spielberg adapta história do Cavalo de Guerra

por Marcelo Seabra

Steven Spielberg pode ser acusado de muitas coisas, menos de preguiçoso. Com dois trabalhos lançados em 2011 nos EUA – o elogiado As Aventuras de Tintim é o outro -, Cavalo de Guerra foi o primeiro a chegar e aproveita a temporada de férias. Trata-se de um épico realizado magistralmente, o que poderia se esperar do diretor. Mas tudo parece calculado para causar determinada reação, e não será surpresa ver gente saindo com lágrimas nos olhos. Eu percebi o truque em tempo e saí ileso.

Discordo de quem considera Spielberg sentimental, piegas ou apelativo. Acredito que ele simplesmente não tenha se rendido ao cinismo que é visto comumente. Seus filmes tendem a ser mais sinceros, ele parece ainda acreditar no ser humano e em seus valores. Mas esse idealismo acaba produzindo um “cinema família” que pode ser bobo e faz com que ele falhe em seu objetivo de tocar corações e mentes. Você assiste, acha interessante, e é só. Cavalo de Guerra é bonito de se ver, mas e quanto ao conteúdo?

Guardadas as devidas proporções, o cavalo Joey é uma espécie de Forrest Gump. Ele passa por diversas situações, em países diferentes e em lados opostos na Primeira Guerra Mundial (mas não conhece celebridades). Ele chega ao ponto de, inadvertidamente, fazer inimigos se ajudarem e até serem amáveis um com o outro. Tudo começa quando o potro é comprado por um fazendeiro inglês que precisa de um animal forte para ajudá-lo a arar o terreno rochoso da fazenda onde vive. Não é o caso de Joey, que não parece ser do tipo que dá duro.

Quando o filho do sujeito desenvolve uma profunda amizade com o cavalo e consegue treiná-lo, a história deslancha, sempre mantendo o personagem de quatro patas como protagonista. Tenta-se manter o ponto de vista dele, como acontece no livro de Michael Morpurgo, lançado em 1982, que serviu como base para o roteiro de Lee Hall (de Billy Elliot, 2000) e Richard Curtis (das comédias de Bridget Jones) – e para uma bem sucedida peça de teatro. E Joey é extremamente inteligente, ao contrário de Forrest.

O elenco, apesar de formado por bons atores, servem como escada para o cavalo. Merecem destaque Peter Mullan (de Filhos da Esperança, 2006) e Emily Watson (de Almas à Venda, 2009), como o casal que mantém o cavalo, e Tom Hiddleston (o Loki de Thor, 2011), o capitão responsável por levar Joey para a guerra. O almofadinha David Thewlis (o Remus Lupin de Harry Potter) está bem caricato como o senhorio do casal e o jovem Jeremy Irvine, em sua estreia no cinema, não convence. Vamos ver se no clássico Grandes Esperanças, em produção atualmente, ele consegue mostrar serviço.

Spielberg tem diversos filmes fantásticos em seu currículo e seu talento como contador de histórias e artista do cinema é inegável. Cavalo de Guerra deve agradar mais àquele público de gosta de filmes sobre animais, como Seabiscuit (2003) ou o memorável O Corcel Negro (The Black Stallion, 1979). Até o lacrimejante Marley e Eu (Marley and Me, 2008) foi lembrado por um espectador ao final da projeção. É tecnicamente soberbo, com mais um grande trabalho do diretor de fotografia Janusz Kaminski (Oscars por O Resgate do Soldado Ryan, 1998, e A Lista de Schindler, 1993). Mas, conhecendo Spielberg como conhecemos, é claro que ele já fez melhor. Muito melhor.

Mesmo com mais de 65, ele continua jovial

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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