Roteiro previsível derruba terror de del Toro

por Marcelo Seabra

Por volta dos nove anos de idade, um garoto vê um filme de terror que o marca tanto que ele decide se tornar um diretor de cinema, vindo a explorar gêneros que lidam com o fantástico. Segundo Guillermo del Toro (de O Labirinto do Fauno, de 2006), a história é verídica: ele é o garoto e o filme em questão, feito para a televisão, é Não Tenha Medo do Escuro (Don’t Be Afraid of the Dark), de 1973. Aproveitando o argumento original, de um certo Nigel McKeand (de Os Waltons), del Toro escreveu um novo roteiro e produziu uma nova oportunidade de assustar gerações.

Fazendo sua estreia em um longa-metragem, o desenhista Troy Nixey foi escolhido para assumir a direção da refilmagem de Não Tenha Medo do Escuro porque del Toro gostou de seu primeiro curta, Latchkey’s Lament (2007). E Nixey prova que consegue bem criar uma atmosfera de terror. Como o filme pertence ao subgênero “casa mal assombrada”, a casa teria que ser impecável. E foi exatamente o que eles encontraram – e adaptaram: uma perfeita mansão do século XIX, daquelas que dão medo até durante o dia.

Quando uma garotinha se muda para esse cenário assustador com o pai distante e a namorada dele, sentindo-se rejeitada pela mãe, não sairia nada de bom. Sally estava se comportando de forma depressiva, já tomava remédios incomuns para a idade dela e a mãe decidiu enviá-la para morar com o pai. Logo, ela começa a ver e ouvir coisas que os outros não percebem, colocando os adultos contra a criança, que estaria inventando tudo. O lado financeiro também pesa, o pai apostou suas fichas nessa mansão e iria reformá-la para vendê-la, conseguindo nisso um bom dinheiro e levantando sua carreira.

Claro que a pobre garota será ignorada até que as provas do que ela alega comecem a aparecer, podendo ser tarde demais para salvar a todos. Nessa hora, a mulher presente – Kim, no caso – tende a defender a jovem, enquanto Alex, o pai, se foca no trabalho e não dá crédito a nenhuma daquelas histórias. E o roteiro segue cada vez mais esquemático, se tornando previsível até o talo. A dupla de roteiristas del Toro e Matthew Robbins (do divertido O Milagre Veio do Espaço, de 1987) não consegue fugir das fórmulas e o final sai bem fraco, desperdiçando um início promissor.

Em uma acertada alteração do original, a protagonista deixa de ser uma mulher crescida, já que com uma criança a trama funcionaria melhor. E a atriz escolhida, apesar de ter apenas 12 anos, é bem experiente: Bailee Madison já participa de filmes e séries desde os sete. Ela é essencial para a produção e interage bem com o elenco adulto, que é encabeçado por um entediado Guy Pearce (de O Discurso do Rei, de 2010), que parece meio deslocado, e a sem sal Katie Holmes (a Jackie de The Kennedys, de 2011). E não poderia faltar o empregado sinistro e misterioso, vivido pelo veterano Jack Thompson (de O Segredo de Berlim, de 2006).

Os profissionais da parte técnica, da trilha sonora à direção de arte, fazem suas partes com competência. E, apesar de o nome na direção ser de Troy Nixey, sabemos que é del Toro quem comanda Não Tenha Medo do Escuro. Basta conhecer um pouco de sua filmografia e dos temas que costuma tratar para constatarmos que seu dedo está para todo lado. Tanto no citado O Labirinto do Fauno quanto em A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo, de 2001), crianças se vêem envolvidas com criaturas de outros mundos. Já em Mutação (Mimic, de 1997), nos dois Hellboy (2004 e 2008) e Blade II (2002), seres estranhos desfilam pela tela. Drama e ação, del Toro já mostrou que sabe fazer. Falta entregar um bom longa de terror.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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