Novo trabalho de Terrence Malick é acima da média

por Marcelo Seabra

Para começo de conversa, A Árvore da Vida (Tree of Life, 2011) não é um filme muito fácil. De entender, de escrever sobre, de digerir. Pretensioso, sim. Bastante, até. Em certos momentos, as coisas ficam meio confusas, e algumas pessoas iam deixando a sala. Afinal, não é qualquer um que está preparado para conferir a visão do megalomaníaco Terrence Malick sobre a insignificância de uma família frente à evolução humana.

Velhas perguntas, como “Pra onde vamos?” e “O que fazemos aqui?”, movem a trama, que quase não anda. Malick, com quase 40 anos de carreira, dirige seu quinto longa. Talvez, para compensar esse pequeno volume de histórias contadas, decide abarcar logo toda a cronologia da vida na Terra. Desta forma, uma das interpretações possíveis é que, embora muito queridos e valiosos para nossos entes próximos, não somos nada para a natureza ou para Deus. Se morre uma criança, que diferença faz para o universo?

Alguns críticos de cinema chegaram a considerar a obra uma defesa do cristianismo, quando, na verdade, ela não toma partido. Deus é sempre mencionado, questionado, provocado. Mas não temos uma prova de Sua manifestação. A não ser pela própria evolução, que por si só já poderia provar alguma coisa. Ou não. Quanto a isso, obviamente ficamos na mesma, e o diretor é sábio ao tomar essa decisão e evitar fazer um filme panfletário para um lado ou outro.

Falar em história é complicado. É como se Malick tivesse escrito um livro, tirado algumas partes e misturado as que sobraram. Não há exatamente um objetivo, a câmera se limita a revelar dias de verão nas vidas de uma família formada pelo casal O’Brien (Brad Pitt e Jessica Chastain – ao lado) e seus três filhos, todos em idade escolar. O pai é um militar linha dura que tem seus momentos de delicadeza, mostrando querer disciplinar os filhos e prepará-los para o mundo, o que não significa que ele não cometa erros e exagere aqui ou ali. A mãe é a personificação do amor, a figura que os une e traz harmonia ao lar. E os meninos fazem o que meninos fazem: brincam, obedecem, questionam, têm conflitos, se rebelam.

Jack, o filho mais velho, é o condutor da trama, já que tudo tem início quando sua versão mais velha, vivida pelo duplamente oscarizado Sean Penn (Sobre Meninos e Lobos, de 2003, e Milk, de 2008), parece passar por uma crise. Procurando fazer as pazes com seu pai, ele começa a relembrar momentos de sua infância e ocasiões marcantes, como uma morte na família ou os embates que teve com o pai. Enquanto isso, para provar que somos apenas poeira no cosmos, o diretor insere imagens da criação da vida e dos passos seguintes. Tudo supervisionado pelo veterano Douglas Trumbull, do igualmente pretensioso e hiperbólico 2001 – Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968) e de Blade Runner – O Caçador de Andróides (1982), entre outros. O que não deixa de lembrar programas do Discovery Channel, ou documentários da BBC que a TV brasileira reproduz, que têm atingido um alto nível de qualidade.

No que diz respeito às relações familiares, A Árvore da Vida vai aonde muitos outros já foram, mesmo que de forma poética e bem sustentada por seus atores – destaque para o casal Pitt, ator mais do que estabelecido, e Jessica, que se mostra uma grata surpresa: eles evitam estereótipos e criam pessoas críveis, pais que qualquer um que cresceu numa cidadezinha dos EUA, nos anos 50, conhece. Igualmente competentes são os atores mirins, Hunter McCracken, Laramie Eppler e Tye Sheridan, todos iniciantes. A fotografia é um show à parte, cortesia do mexicano Emmanuel Lubezki, que acrescenta mais um grande trabalho a uma filmografia marcante, que inclui Filhos da Esperança (Children of Men, 2006) e Encontro Marcado (Meet Joe Black, 1998), este também com Pitt. O diretor de fotografia ressalta elementos importantes à história e à simbologia empregada, e muito significado pode passar batido. Mas isso não impede o público de apreciar as belas imagens e os enquadramentos inusitados e surpreendentes.

Com todas as suas qualidades, o longa não deixa de ser cansativo. Mas é interessante e bonito o suficiente para merecer uma conferida, ao contrário do insuportável Além da Linha Vermelha (The Thin Red Line, 1998), terceiro trabalho da lista de Malick (ao lado, em sua única foto divulgada). Só tenha certeza de ir ao cinema em um dia tranqüilo, descansado. E ignore as manifestações ao seu redor, já que até hoje as pessoas escolhem o filme que verão totalmente no escuro, sem saber do que se trata – e frequentemente se decepcionam.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Fala Seabra! Lembra de mim cara? Desistiu da carreira de Fox Mulder no FBI,?? hehehehe
    Seu blog está bookmarcado, cara. Muito legal as análises, congratulations. Vamos tomar uma one of these days.

    • Grande Samir, claro que lembro! Bom saber que você anda por aqui. Vamos combinar umas.
      abraço!

  • Samir, que saudades!!

    Curti demais o filme!
    Grande fotografia.
    Primeiramente pensei que só poderia ver o filme uma vez, pensei que seria cansativo assistí-lo pela segunda vez, mas agora já gostaria de vê-lo novamente. É um belo filme de arte, e cada cena tem o seu merecido cuidado.
    Não deixem de visitar também o nosso bom homemcolher.wordpress.com
    Abraços, Seabra.

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