por Marcelo Seabra
Acho engraçado como tem gente que desconhece a carreira no cinema de determinados personagens que lhe agradaram. Não que suas vidas sejam alteradas por isso. Mas é interessante, ao ver certo filme, saber que aquele universo aparece também em outras produções. É o caso, por exemplo, de Philip Marlowe, protagonista de À Beira do Abismo e outras histórias de Raymond Chandler que foram levadas à tela grande.
Em 1966, a Fox decidiu levar ao cinema a série kitsch estrelada por Adam West e Burt Ward, muito lembrada por aquela dança ridícula do redondo West. Aproveitando a oportunidade, os roteiristas acharam melhor, para garantir o público, jogar logo quatro vilões e deixar as coisas mais complicadas para a dupla. Foram convidados Cesar Romero (o Coringa), Burgess Meredith (Pingüim), Lee Meriwether (Mulher-Gato) e Frank Gorshin (o Charada), todos mais do que acostumados a seus papéis com exceção de Lee, que substituiu a original, Julie Newmar, que tinha assumido outros compromissos. O próprio Adam West quase foi trocado, após pedir um substancial aumento de salário, como conta em sua autobiografia.
Os produtores Michael Uslan e Benjamin Melniker decidiram fazer uma abordagem mais sombria de Batman em 1979, quando os quadrinhos estavam vendendo bem. E o Superman de Richard Donner tinha tido um ótimo desempenho em 1978, o que serviu de incentivo. Para Uslan, seria voltar ao que os criadores, Bob Kane e Bill Finger, tinham imaginado, “uma criatura da noite espreitando os criminosos nas sombras”. Entre várias pessoas que estiveram ligadas a esta produção, o roteirista Tom Mankiewicz, responsável por três longas de James Bond, foi o que ficou firme por mais tempo, e iria trabalhar com diretores como Ivan Reitman (que faria Os Caça-Fantasmas em 1984) e Joe Dante (que seguiu para Gremlins, em 1984). Uslan queria um ator desconhecido para ser Batman e contrataria William Holden para viver James Gordon e David Niven para fazer o mordomo Alfred. O problema é que os veteranos morreram antes de alguma coisa acontecer.
Com um faturamento respeitável de U$ 400 milhões, Batman (1989), cercado pela grande expectativa gerada por uma massiva campanha de marketing, inaugurou uma era de super-heróis no cinema. E marcou época, definindo o tom mais sombrio das adaptações de quadrinhos que viriam adiante. Isso, apesar do mundo imaginado por Burton ser bem irreal, com inspiração gótica e cartunesca. Gotham City nunca foi tão suja e opressora! Em 1992, Michael Keaton voltou a atacar atrás da máscara, enfrentando o Pingüim de Danny De Vito e a Mulher-Gato Michelle Pfeiffer, vilões quase tão marcantes quanto o Coringa de Nicholson.
O que veio em seguida foi uma brincadeira de mau gosto, inutilizando, para futuras produções, personagens com grande potencial, como o Charada (Jim Carrey) e o Duas Caras (Tommy Lee Jones). Michael Keaton não gostou do caminho seguido e Val Kilmer assumiu o manto. Joel Schumacher, que só faz bons filmes se o orçamento for pequeno, não soube o que fazer com os milhões que tinha em mãos. Aí, sim, começou a queda do morcego.
Batman & Robin data de 1997 e marca o enterro do herói para Hollywood. Usando cores berrantes e escolhas duvidosas para ambientação, elenco e trama, Schumacher foi apontado como o responsável pela sumida do herói. A culpa sobrou até para George Clooney, intérprete de um Bruce Wayne simpático, que em nada lembrava o sujeito eternamente atormentado pela perda dos pais. Mesmo ganhando muito dinheiro (é o Batman!), é o live action do personagem que menos faturou. O próprio Clooney chamou a obra de “uma perda de dinheiro” e a renega.
Em Batman Begins, de 2005, acompanhamos uma espécie de “Ano Um” do personagem: suas origens, sua motivação e treinamento. Ele enfrenta antagonistas cujas aparições fazem sentido, não são meras distrações para que se chegue ao inevitável final feliz. Begins conta a história de um homem que quer se tornar um símbolo do combate ao crime, devolvendo Gotham City aos seus pobres cidadãos. O nível de criminalidade da cidade é tão alto que as pessoas se acostumaram a serem assaltadas, e foi exatamente esse problema que tirou Bruce Wayne de seus pais.
Tim Burton, assim como Richard Donner, tem todo o mérito por ter dado um enfoque menos infantil a histórias de super-heróis. Os dois são constantemente tidos como os responsáveis pela valorização desse tipo de produção. Mas, mesmo tentando atrair um público mais adulto, os longas ainda eram bem fantasiosos, com situações totalmente inverossímeis. Com essa nova proposta, temos atos e conseqüências que, de tão plausíveis, até surpreendem. O espectador chega a temer pela integridade física e psicológica dos personagens, já que realmente não dá para prever o que acontecerá com eles.
Nunca se tratou tão bem as adaptações cinematográficas de histórias em quadrinhos. É o que fica atestado ao final da sessão de Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). Qualquer desavisado ficará maravilhado com o que fizeram os irmãos Nolan, que escreveram o roteiro com ajuda de David S. Goyer. Não é problema tecer vários elogios, já que todos serão devidos. Acima de tudo, é um filme corajoso, que toma os rumos necessários para uma conclusão mais que satisfatória.
O Coringa de Heath Ledger é tudo o que um psicopata do cinema precisa ser: aparentemente louco, com o simples propósito de trazer o caos à cidade. E, mesmo afirmando não fazer planos, ele tem uma ótima estratégia, que remonta diretamente à Graphic Novel A Piada Mortal, de 1988. Como já aconteceu em diversas edições, sua origem nunca fica clara, já que o próprio Coringa brinca com supostos fatos de sua vida pregressa. Essa foi a escolha de Nolan para ter um personagem “absoluto”, o que lhe confere imenso charme e mistério. Da história O Longo Dia das Bruxas, foram tiradas várias idéias para o Duas-Caras de Aaron Eckhart , inclusive o slogan usado na campanha promocional do longa: “Eu acredito em Harvey Dent”.
Para fechar a trilogia, já que Nolan anunciou há muito tempo que ficaria só em três, teremos Bane (Tom Hardy) e a Mulher-Gato (Anne Hathaway) aparentemente como os vilões. Com fotos e cartazes, mais uma vez Nolan consegue criar expectativa. Os próprios atores fazem questão de ressaltar o tanto que o diretor e roteirista é um gênio e “está fazendo coisas insanas”, como afirma Anne. Temos que aguentar até 27 de julho de 2012, uma semana após a estreia nos EUA, para conferir The Dark Knight Rises. Cada dia esperado vai valer a pena.
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