Meia-Noite em Paris faz bem a Woody Allen

por Marcelo Seabra

As críticas positivas sobre o novo trabalho de Woody Allen foram bem animadoras, visto que a carreira do diretor anda bem irregular. Ele vem alternando grandes trabalhos, como Matchpoint (2005) e O Sonho de Cassandra (Cassandra’s Dream, 2007), com coisas constrangedoras, bobas ou simplesmente medianas, como Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger, 2010), Scoop – O Grande Furo (2006) e Vicky Cristina Barcelona (2008), para ficar em alguns exemplos mais recentes. Para a alegria do bom cinema, é bom poder afirmar que Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011) faz parte da leva boa. Boa, leve e auto-referencial, e já pode ser conferida nos cinemas brasileiros.

Depois de diversas homenagens a Nova York, e mais especificamente a Manhattan, e uma bem sucedida passagem pelo Reino Unido (nos já citados Matchpoint e Cassandra), Allen deu uma derrapada homenageando Barcelona. Obra aborrecida e cansativa que só trazia de bom o casal espanhol Javier Bardem e Penélope Cruz se virando num roteiro besta, Vicky Cristina Barcelona não cumpriu bem seu propósito de tributo. Com a capital francesa, o novaiorquino Allen se redime passeando, ao mesmo tempo, pela Paris atual e pela Paris dos anos 20, recheada de personalidades da cultura mundial.

O protagonista de Meia-Noite em Paris, Gil (vivido por um carismático e convincente Owen Wilson, de Passe Livre, de 2011), é um roteirista de Hollywood que escreve o que lhe passam e ganha um bom dinheiro por isso, mas decide buscar mais liberdade criativa e parte para escrever um livro. A família fútil de sua igualmente fútil noiva (Rachel McAdams, de Uma Manhã Gloriosa, de 2010) vai a Paris a negócios e o casal decide acompanhar, mesmo em meio a preparativos para o casamento. Fugindo da chatice de acompanhar Inez e seus amigos malas em programas intelectualóides, Gil decide andar pela cidade à noite e acaba pegando uma estranha carona.

Ligeiramente embriagado e surpreso pela oferta de animados desconhecidos, Gil entra no carro e acaba em uma festa na Paris dos anos 20, na companhia de figuras como F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston) e sua Zelda (Alison Pill), Ernest Hemingway (Corey Stoll), Cole Porter (Yves Heck) e Gertrude Stein (Kathy Bates). Sem entender o que está acontecendo, ele acaba entrando cada vez mais naquele mundo, e o seu próprio universo vai se tornando progressivamente mais apagado e sem sentido. O ápice da complicação chega quando ele conhece a bela Adriana (Marion Cotillard, Oscar de Melhor Atriz por Piaf, de 2007 – ao lado), amante e modelo de Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo), e se apaixona na hora.

No papel principal, Owen Wilson demonstra maturidade entregando uma atuação sem exageros, engraçada no ponto certo. Seu Gil tem traços nostálgicos, saudades de uma cidade que ele não conheceu, numa época que era supostamente mágica. A nostalgia é o assunto principal de Woody Allen aqui, reforçando o contraste entre o presente entediante e o passado glamuroso. Isso, ao menos na concepção dos personagens.

Como um interessante tópico coadjuvante, temos algumas tiradas sobre política. O sogro de Gil, um esnobe e rude empresário, defende com afinco o Tea Party, um grupo conservador de ultradireita que despontou nos Estados Unidos em 2009 como uma terceira opção fora do eixo Bush/Obama. O mesmo sujeitinho diz que não gosta dos franceses por não concordar com a política deles, e com o fato de Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy terem se manifestado contra a guerra no Iraque. Não deixa de ser irônico ver a esposa do atual presidente francês, Carla Bruni-Sarkozy (ao lado), atuando na tela. Elogiada pelo cineasta, ela ajuda a trama a avançar sendo literalmente uma guia para Gil.

Wilson, bem à vontade, acaba vivendo um alter ego mais jovem do próprio Allen, uma variação ligeiramente menos neurótica e mais bem humorada. A opção que o diretor e roteirista tinha em mente para o papel era David Krumholtz (da série Numbers, 2005-2010), que se parece mais com ele próprio e é também de Nova York. Wilson acabou sendo chamado, o que trouxe um ar novo à filmografia de Allen. E o resto do elenco é bem interessante, com Rachel McAdams e Michael Sheen (o Tony Blair de A Rainha, de 2006) vivendo figuras extremamente irritantes, principalmente o arrogante Paul de Sheen. Entre as participações menores mais interessantes, além dos atores citados acima, há Adrien Brody como um engraçado Salvador Dali.

São várias as referências culturais que desfilam em Meia-Noite em Paris – duro é ter que agüentar pessoas no cinema querendo se mostrar por conhecerem um ou outro, e revelando total ignorância sobre a maioria. Apesar dos vários nomes famosos vistos aqui e ali, a festa é mesmo de Woody Allen e de Owen Wilson, uma dupla que eu gostaria de ver junta novamente.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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